Vovó Lo-Fi, 2011.



A Mostra Indie desse ano está trazendo coisas interessantíssimas por um preço acessível a todos: ou seja, de graça! Chegue na bilheteria, retire seu ingresso e vá curtir filmes que, de outro modo, dificilmente chegariam por aqui. Por enquanto, só tive a oportunidade de assistir ao documentário islandês "Vovó Lo-Fi" (Amma Lo-Fi), que é curtinho - tem 65 minutos - e muito agradável. E um grande exemplo de inspiração.

O documentário traça a carreira de Sigridur Níelsdóttir como cantora. Bom, não é exatamente uma carreira, já que ela nunca fez um show, mas essa senhora gravou 59 CDs em apenas 7 anos (680 e tantas músicas)! O mais bacana é que ela começou a compor aos 70 anos, para mandar suas músicas aos filhos, genros, netos e por aí vai. De sua vida anterior, o documentário não fala muito, apenas registrando brevemente que ela se apaixonou perdidamente por um pescador aos 19 anos na Dinamarca (local de seu nascimento) e que seus pais foram contra o relacionamento; porém, não foram contra muito tempo - o rapaz desapareceu num naufrágio. E nessa hora a senhora Sigridur fala uma frase que talvez seja um tanto batida, mas que, ao ser dita aos 80 anos de idade, ganha uma relevância especial, a importância de quem viveu bastante tempo para saber das coisas: "Sempre se despeça das pessoas que ama com palavras carinhosas, deixando claro que as ama, pois pode ser a última vez que terá oportunidade de fazer isso". Depois disso - e aqui posso confundir um pouco a ordem dos acontecimentos - Sigridur veio morar no Brasil, e viveu em São Paulo por alguns anos (vendendo artesanato nas ruas). Não me lembro quando ela se casou, mas ela teve uma filha que se casou com um brasileiro e mora por aqui. Os outros filhos estão pela Escandinávia. Ela retorna à Reykjavík (onde viveu por um tempo antes de vir pra cá) e fica por lá até o fim da vida. Na capital islandesa ela mora numa casinha simpática onde acaba por descobrir uma paixão: a música. Com um teclado musical desses mais simples mesmo, Sigridur começa a compor suas canções. E ela admite que ler partituras é algo muito difícil e que, por isso, aprende tudo de ouvido. 

O processo criativo de Sigridur é bem legal. Eu lembrei dos tempos em que eu tinha uma banda e que a gente gravava tudo em fita cassete. Ela faz o mesmo. O velho esquema de ligar o microfone num aparelho de som e depois editar usando o duplo deck. Sigridur usa o acompanhamento que vem armazenado no teclado para dar ritmo às músicas, variando os estilos. E ela coloca uns efeitos sonoros em suas músicas! Munida de seu gravador portátil, Sigridur grava sons de pássaros, cães e recria o sons de cachoeiras (deixando a água da torneira escorrer por potes de plástico) e do vento (assoviando), depois ela edita no aparelho de som, intercalando esses sons captados com a música anteriormente gravada. É algo amador, claro, pois fica nítido que a música some quando os sons aparecem, mas é louvável que uma senhora com a idade dela tenha essa veia artística tão ativa. Obviamente, nas partes do documentário em que ela canta, não dá pra entender nada - a não ser que você saiba islandês, o que é uma pena: deveriam ser colocadas legendas nas canções, afinal, é um documentário sobre música! As legendas de músicas só ocorrem quando fazem parte da estrutura narrativa do documentário, que, aliás, é bem bonita: ao invés de usar um voice over para narrar, os diretores Ingibjörg Birgisdóttir, Orri Jonsson, Kristín Björk Kristjánsdóttir optam por chamar músicos que cantam as historinhas ao mesmo tempo que falam sobre a importância de Sigridur na música islandesa; todas essas passagens ocorrem tendo cenários estáticos, montagem feitas com recortes que, ao final do Sigridur quem fez. Sim, a verdade é amarga e doce ao mesmo tempo: aos 77 anos, após lançar seu último CD, Sigridur muda-se de residência e, com isso, muda o seu gosto de Arte: ela abandona a música e parte para a composição de pequenos quadros feitos com recortes das mais diversas imagens. Um trabalho muito bonito, por sinal. E quando eu já estava no cinema pensando em escrever para Sigridur contando o quão importante pra mim foi vê-la na tela, uma inspiração para sempre continuar a produzir os sonhos, ele termina mostrando a data de falecimento de Sigridur, aos 81 anos (1930-2011). Uma pena, realmente... Mas também fiquei feliz por saber que conseguiram fazer um documentário entrevistando-a diretamente, e que ela sabia que isso iria resultar num filme sobre sua vida. 

Acho que essa foi a última grande conquista e lição de Sigridur Níelsdóttir: deixar registrado para as próximas gerações que não importa a idade, desde que mantenha sempre o seu cérebro em constante aprendizagem. Muito obrigado, vovó!

Quem quiser saber mais sobre ela (músicas e colagens): http://www.grandmalofi.is/

Alex Martire




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