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Terry Pratchett: Choosing to Die, 2011.




Meu nome é Terry Pratchett e escrevo novelas de fantasia. Tenho 62 anos e fui diagnosticado com Alzheimer há três anos. Às vezes, fico muito deprimido, temendo o que pode acontecer no futuro. Parece-me que, nestes tempos modernos, não deveria temer algo assim. Estou falando sobre morte assistida, que hoje é ilegal no Reino Unido. O que você vai ver pode não ser agradável porém, creio ser muito importante. Verá como pessoas idosas, como eu, estão pensando em morrer. Pode alguém como eu, ou você, escolher como vamos morrer?

Com essas palavras, Sir Terry Pratchett inicia um pequeno documentário, de 60 minutos, dirigido por Charlie Russell em 2010 e que foi ao ar na televisão em 2011. O tema não é nada fácil de ser digerido, embora, assistindo ao documentário, a coisa que mais vem à cabeça é: "Por que não temos o direito de escolher quando queremos morrer?". A morte assistida, como mostra Pratchett, é algo que pode trazer dignidade às pessoas que sofrem com doenças sem curas que comprometem a "normalidade" da vida. Tendo terminado de assistir, ainda estou com algumas imagens na cabeça, mas a que mais me marca é a de ver Pratchett ter consciência de que o Alzheimer irá lhe tirar a vida de qualquer modo e que, sendo assim, ele pretende estar um passo à frente da morte, para lhe poupar o sofrimento.

Embora o Alzheimer não seja uma doença caracterizada por dores físicas, ela destrói profundamente a mentalidade, a "alma" das pessoas. Confesso que fiquei profundamente chocado ao ver Pratchett, logo no início do filme, tendo de ditar seu novo livro da série Discworld (o 38º) a seu assistente Rob Wilkins. A produção literária de Pratchett é imensa, e é um dos maiores escritores de fantasia vivos no mundo, sendo o mais importante no Reino Unido (estando Neil Gaiman logo atrás dele). É triste ver a frustração desse gênio da literatura quando diz que não é mais capaz de digitar seus textos, e que esquece de quase tudo o que lhe é dito no momento. Pior ainda: confessa que uma boa parte das lembranças de sua vida simplesmente se foram, que não consegue mais recordar nada... Simplesmente não consigo imaginar o que isso representa para um escritor: toda a base que ele tem para se inspirar se foi... Como ele afirma, escrever é a única coisa que sabe fazer e que, sabendo que o Alzheimer irá privá-lo disso, decide que é hora de pesquisar sobre a morte assistida.

No Reino Unido a morte assistida é proibida por lei. Mesmo se a pessoa deixar um documento, filmar, fazer de tudo, nada adianta: quem o ajudou a morrer - seja familiar ou não - irá cumprir pena na cadeia (que pode chegar a 14 anos): hipocrisia pura. Bom, temos de levar em conta que o mundo é, em grande parte, regido por teístas, e que a Fé é algo que cega as pessoas - entre muitas outras coisas - para o sofrimento alheio: para muitos religiosos, é melhor que a pessoa sofra antes de morrer, e que ela não possa escolher quando morrer: assim terá seu "lugar no céu" (ou no inferno, dependendo). Na Bélgica a morte assistida é legalizada desde 2002 e, como Pratchett mostra no documentário, na Suíça também existe essa legalização, incluindo o direito de estrangeiros irem morrer em seu território. Esse trabalho é realizado pela instituição denominada Dignitas, que cobra cerca de 11.000 libras para auxiliar as pessoas a morrerem.

Pratchett acompanha dois casos de cidadãos ingleses que sofrem com doenças sem cura: um deles é Andrew Colgan, de 42 anos, que tem esclerose múltipla; o outro é Peter Smedley, que sofre com uma doença degenerativa no sistema nervoso, e tem 71 anos. Mais da metade do documentário acompanha as discussões sobre o porquê de essas pessoas desejarem a morte. A resposta de ambos é semelhante: não querem viver impossibilitados de fazer as coisas mais triviais que sempre estiveram presentes em suas vidas. Pratchett também entrevista os familiares desses dois homens, encontrando pessoas que, embora sofrendo com a decisão de quem ama, apoiam a decisão de morte assistida. 

O ato final do documentário fica a cargo da filmagem da morte assistida de Peter Smedley, na Suíça. Todo o processo de morte dura cerca de 10 minutos, consistindo em 2 etapas: primeiro é dado à pessoa um remédio para o estômago, para evitar a rejeição do veneno; após alguns minutos, a assistente entrega o copo de veneno em mãos e deixa bem claro que a decisão de tomá-lo cabe inteiramente à pessoa. Peter concorda e bebe o conteúdo. Sabendo que não tem mais volta, vemos ele se despedindo de Pratchett e segurando a mão de sua esposa, olhando-a em seus últimos momentos. A morte em si é bem tranquila: a pessoa sente dificuldade para respirar e acaba entrando em sono profundo: mais alguns minutos e o coração para de bater. Obviamente isso não diminui a dor de quem fica, da esposa que vê o marido falecer diante de si. Mas a decisão dele foi respeitada e, de certo modo, é melhor do que ver a pessoa sofrendo na cama de hospital.

Pratchett termina o documentário indagando sobre as possibilidades de morte assistida para si mesmo. Ele vem lutando para que esse direito se estabeleça na Inglaterra também, e que as pessoas possam, enfim, serem donas de suas próprias vidas. Enfim, o documentário gera bastante reflexão sobre um tema controverso. Ao mesmo tempo, nos dá a chance de nos despedirmos de nosso amado amigo Terry Pratchett: por mais triste que seja, eu o entendo. Ele irá fazer uma falta tremenda. Mas um escritor não merece viver sem suas memórias...

Alex Martire




 
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