Impressões Recentes

Irmãos Grimm, 2005.


Adoro contos de fadas. Sou realmente apaixonado pelo tema e, vez e outra, me pego lendo algum livro com esse tipo de história. Acho que é importante não perdermos a capacidade de sonhar, de imaginar aquilo que muitos consideram impossível e, principalmente, de tentarmos nos agarrar desesperadamente a algum resquício da infância, quando tudo era repleto de pureza (e quase alheio a preocupações). 

Também adoro Terry Gilliam. Confesso, sou fã mesmo e o acho um gênio. Embora não goste de Monty Python, Terry Gilliam, para mim, foi o melhor legado do grupo britânico. "Brazil", "As aventuras do Barão de Münchausen", "Contraponto", "O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus"... todos excelentes, viciantes, "contos de fadas". Embora seja um dos cineastas mais azarados do mundo (afinal, o cenário de "Dom Quixote" foi destruído por causas naturais e Heath Ledger morreu durante as filmagens de "Parnassus"), Gilliam é o grande nome do cinema Fantasia para mim. 

Em "Irmãos Grimm", Gilliam se mostra uma verdadeira criança. Ele brinca com todos as histórias, as lendas, e transforma os Grimm em atores de suas próprias narrativas. Muito legal! Com essa tática, Will e Jake Grimm adentram uma versão, digamos, "pós-modernista" de seus contos: eles atuam diretamente, em um recíproco processo de criação/escrita. São ótimas as cenas da Chapeuzinho Vermelho, do Homem-Biscoito, e do Beijo-do-Amor-Verdadeiro para acordar a moça do filme (longe de ser uma donzela indefesa, por sinal): tudo feito com muito carinho pelo mestre Gilliam. As atuações de Matt Damon e Heath Ledger estão ótimas, o que sempre me faz lamentar a morte precoce do último.

Revi "Irmãos Grimm" em blu-ray e o filme só tende a ganhar com a alta definição: os cenários realmente construídos ganham uma textura mais fidedigna, embora os efeitos especiais acabem por se mostrar mais "descarados" - dá para perceber onde usaram máscaras de filtros etc. No geral, a versão blu-ray vale o investimento (mesmo sem extras, coisa que tem se tornado moda no Brasil para diminuir o preço dos discos).

De resto, é apenas se deixar levar pela mão e dar uma chance às fadas.

Alex Martire


Um Dia, 2011.


"Eu odiava você. Com bastante violência. Sinto muito, mas... Porque ela se iluminava perto de você. Não era assim comigo..."

Quase no fim de "Um Dia" a personagem de Ian, um comediante que havia vivido com Emma, profere essas palavras. E elas são verdadeiras: a moça passou vinte anos apaixonada por Dex, sendo apenas sua amiga. Ele é o estereótipo do homem que está mais preocupado com a quantidade de mulheres que arrasta para a cama do que com a qualidade delas. Quando finalmente cai em si, é tarde demais: a vida é irônica e cobra um preço alto - até pra os que amam e vivem sonhos se realizando.

A diretora Lone Scherfig é boa em contar romances sob a ótica feminina, já deu provas disso quando fez "Educação" (2009). Ela poderia simplesmente ter pego o roteiro adaptado do livro escrito por David Nicholls e ter transformado tudo em mais um filme fraquinho de romance intercalado com cenas de comédia. Mas Scherfig se mostra muito cônscia do material que tem em mãos: deu profundidade à história e, aliada a um competente diretor de fotografia, transformou Londres em um mundo azul: azul de tristeza e azul de nuvens (de amor). Juntamente a ela está aquela que ajuda a segurar o filme: Anne Hathaway. Ótima como sempre, a linda atriz faz uma interpretação convincente de mulher apaixonada que sofre com as notícias que Dexter (o não tão bom Jim Sturgess) vive trazendo. Uma pena que tenha faltado um ator melhor para contracenar com ela.

Confesso que esse tipo de filme não é o que me atrai com muita frequência, mas o final do filme realmente é do tipo que eu gosto e me cativou. Assisti por indicação, não me arrependi: acho que temos uma tendência a ver histórias que mostram como o amor pode machucar. C'est la vie...

Alex Martire




The Front Line, 2011.



Há filmes que, só por uma cena, já valem. É o caso desse pré-candidato ao Oscar escolhido pela Coreia do Sul e dirigido por Hun Jang.

A cena em questão acontece nos últimos 15 minutos do filme. Exércitos do Norte e do Sul estão prestes a disputar a batalha final pelo Monte Aerok, em 1953, e definir as atuais fronteiras entre os dois países. Então os comunistas começam a cantar uma triste música, que relembra o rosto da mãe, já velha, e a saudade que ela deixa aos filhos. Em meio às brumas, o exército sulista também adere à canção, formando um uníssono lindo, muito lindo. É de arrepiar. Eles sabem que essa é a última canção que carregarão até à morte iminente. 

A obra de Hun Jang é cativante. O cinema oriental é perfeccionista e aqui é apenas mais uma mostra: batalhas são extremamente bem filmadas, sem precisar recorrer ao velho truque de tremer a câmera para esconder defeitos técnicos. Antes de tudo, é um filme de guerra sobre a amizade, sobre a lealdade, mas sem ser piegas e apelar para tirar lágrimas dos espectadores (aprendeu, Spielberg?). Dois amigos sul-coreanos estão no front oriental da guerra e são afetados de modos diferentes pelo inferno em que vivem: um ainda mantém a "humanidade", enquanto o outro, como ele bem aponta, já morreu há muito tempo.

Obviamente Hun Jang não poupa críticas aos irmãos do Norte, tornando-os os "vilões", mas no terceiro ato o diretor consegue amenizar bastante essa dicotomia: jogada de mestre. 

Para quem busca um épico coreano sobre a guerra que dividiu o seu território, "The Front Line" vai lhe saciar (e muito bem). Filmaço.

Alex Martire





Cisne Negro, 2010.



(Originalmente escrito em 2010)

Aronofsky fez 5 longas até hoje; três excelentes - "Pi", "Réquiem para um Sonho", "Fonte da Vida" - e dois espetaculares: "O Lutador" e "Cisne Negro". Em cinco filmes ele já conseguiu deixar sua marca, aquela coisa que assistimos e dizemos: "Pô, isso é do Aronofsky".

"Cisne Negro" é, antes de mais nada, uma fábula moderna de Dr. Jekyll and Mr. Hyde, do Robert Louis Stevenson. E é um filme sobre bailarinas.


A partir daqui fica um pouco difícil eu falar qualquer coisa sobre o filme com imparcialidade, uma vez que conheço - pouco, é bem verdade - algumas coisas sobre o mundo do balé: a vantagem de ter uma pessoa querida, uma bailarina entre meus contatos de vida.

Tudo gira em torno de Nina, a bailarina interpretada por Natalie "Minha Musa" Portman. Essa talvez seja a grande semelhança com "O Lutador": temos a visão de uma vida apenas, a da personagem principal. E o diretor usa direto o tipo de filmagem que nos deixa bem à vontade: caminhamos atrás dos personagens, espiamos sobre seus ombros. Pode parecer simples isso, mas a coisa é tão bem executada que podemos sentir a emoção das pessoas (a cena de Mickey Rourke entrando no balcão de frios em "O Lutador" talvez seja o grande exemplo - seu passado fica conosco enquanto ele segue seu caminho). Aronofsky trabalha o lado humano das bailarinas. Sempre há um mistério sobre essas mulheres, algo que beira ao fetiche (para nós, homens, creio), e Aronofsky faz questão de mostrar que são seres comuns, com problemas familiares e de auto-confiança. E, sim, ele também deixa claro que os pés das bailarinas são calejados e "feios": fruto de horas e horas de trabalho.

São muitas sutilezas. Algumas só serão compreendidas por quem conhece um pouco da coisa, tal como os nomes franceses dos movimentos e referências ao mundo do balé. Outros pormenores são lindíssimos. Mas lindíssimos mesmo! Há algo extremamente delicado nesse filme, que adorei: a respiração das bailarinas. Já tive a honra, o prazer de ter trabalhado uns dias com minha amiga bailarina há uns anos e pude ver como a coisa funciona: são  respirações curtinhas que mal mexem o peito; é um arfar que ajuda a manter o equilíbrio e o pescoço reto. Na verdade, não sei explicar direito, mas é algo muito apaixonante para quem vê: é de uma delicadeza fantástica e de um prazer auditivo imenso ouvir o chiado que sai de suas bocas. O filme, por sinal, abusa de coisas simples e talvez não despertem muito a atenção em cena: mas nisso está o encanto: é tudo tão normal, tão parecido com o nosso cotidiano, que deixamos "passar em branco". 

Porém, Nina não é simples. Ela é a graça do filme. Não importa o que seja preciso para se conseguir o papel de Rainha no Lago dos Cisnes: ela fará. Há sofrimento, claro. E a descoberta de um papel tão difícil é, ao mesmo tempo, a (re)descoberta de seu próprio corpo. É um filme também focado no sexo, com uma cena "forte", mas não é apelativo: quem assiste entende que Nina simplesmente precisa daquilo. Aronofsky consegue fazer com que a gente se apaixone por Nina. É impossível não ser assim. E não digo só sobre a beleza (afinal, quase toda bailarina é linda), mas o jeito de falar e sonhar. O filme é, também, a história de um sonho: que perturba, mas pode ser alcançado. 

Enfim, é um filme sobre o mundo-cão do balé. Das bailarinas. Curiosamente, esse filme foi sido assistido mais por mulheres do que homens lá nos EUA. Talvez porque lide com a dança e fale sobre amor? Não sei explicar. Mas não é um filme feminino. Não é um filme masculino, tampouco. É um filme sensível, que se desenrola como se estivéssemos deslizando os dedos pelas pernas das bailarinas. Natalie Portman tem o melhor papel de sua vida nesse filme. E Aronofsky tem o seu melhor filme.  Acompanhei ansiosamente a produção do filme desde que foi anunciado. Saíram várias notícias sobre ele, críticas dizendo que é um dos melhores filmes de 2010. Concordo e discordo ao mesmo tempo: é, sim, um dos melhores filmes que já vi - e terei visto -  na vida. 

Acho que me identifiquei muito com o filme pelas questões pessoais que descrevi acima. Mas esperei algumas horas passarem para escrever isso sem estar "embriagado" pela maravilha que assisti. Mesmo após horas, o impacto continua: Aronofsky é, sim, um dos novos deuses do cinema. 

Alex Martire

A vida é assim, alegre e triste ao mesmo tempo. Aronofsky acabou de provar isso.

A Better Life, 2011.



O mexicano Demián Bichir foi recentemente indicado ao Oscar de Melhor Ator. Ele foi tido como o "azarão", pois concorre com Brad Pitt, George Clooney, Gary Oldman e o francês Jean Dujardin. O que "A Better Life" me mostrou, no entanto, foi o quão Demián está acima de seus concorrentes, embora sendo praticamente desconhecido.

"A Better Life" é um filme sensível, delicado e, principalmente, respeitoso. O diretor Chris Weitz trata do tema da imigração mexicana ilegal nos EUA de forma honesta, sem "vilanizar" aqueles que atravessaram a fronteira para tentar uma vida melhor. E lá está ele, Carlos (Demián), viúvo e pai de um filho (um garoto de 15 anos, o Luis) que tenta sobreviver em Los Angeles trabalhando como jardineiro. Para tentar melhorar de vida, Carlos empresta dinheiro de sua irmã e compra uma caminhonete para auxiliar no trabalho. Um acontecimento baseado em pura confiança humana, e relacionado ao carro, acaba por tornar a relação fria entre pai e filho um pouco mais próxima.

E é nessa história de relação que está a força do filme. É um espetáculo de atuação de Demián. Não é fácil interpretar personagens que trazem na face as tão conhecidas rugas da vida. Vivendo em um bairro tomado pelas gangues mexicanas, Carlos tenta afastar seu filho da má influência, ao mesmo tempo em que tenta se manter firme e aguentar os golpes do destino sem poder recorrer às autoridades. Demián, como eu disse, está soberbo:  torço muito para que ele desbanque os concorrentes e leve o prêmio, merecidamente. As situações em que um pai passa para tentar proteger seu filho e dar a ele "Uma Vida Melhor" mexe com quem assiste. Dá um nó na garganta e no fim do filme você já deixa umas lágrimas escorrerem: tudo sem cair no dramalhão.

Eu tenho uma categoria de filmes que chamo de "essencial": são aqueles que recomendo vivamente, que digo para as pessoas: "Por favor, assista". Esse é o caso de "A Better Life": um filme que passou quase despercebido nas premiações de cinema (injustamente), mas que se mostrou um dos melhores de 2011, com todos os méritos possíveis. Extremamente recomendado.

E se às vezes a gente precisa de algo para se agarrar e suportar as dores da vida, talvez um diálogo simples entre pai e filho seja um belo exemplo:

(Luis) - Pai, por que você teve a mim?
(Carlos) - Porque eu precisava de algo para continuar a viver.


E talvez a vida seja isso mesmo...

Alex Martire


Miss Bala, 2011.


Não conheço praticamente nada de cinema mexicano. Apenas novelas mexicanas (claro). Mas se todos os filmes do México seguirem (ou seguem) a linha de "Miss Bala" é sinal de que haverá muita coisa boa vindo por aí.

É um filme (pré-candidato ao Oscar 2012, ficando de fora) de ação misturado com drama, com as melhores qualidades que essa mistura pode gerar. Acompanhamos Laura Guerrero (interpretada muito bem pela bela Stephanie Sigman) e seu sonho de ser Miss no estado de Baja California. Tudo seria muito bonitinho e o filme seria mais um de "busca e realização" se não fosse o contexto mexicano do tráfico de drogas e violência. E é aí que o filme se centra! De modo estúpido, Laura é arrancada do mundo de miss para levar o famoso tapa da vida de realidade. Porém, nada é estranho a ela: vem de família pobre, da periferia, convivendo diariamente com as dificuldades do lugar. E o desejo de encontrar uma amiga perdida em meio a um tiroteio (aliado às ameaças feitas ao pai e irmão) a faz se envolver com a quadrilha da região, liderada por Lino. 

O filme tem algumas cenas muito boas, mas as memoráveis, pra mim, acontecem durante o concurso de Miss, com Laura simplesmente não pertencendo mais a tudo aquilo, alheia. Vemos, então, como os sonhos são destruídos de uma hora para outra por coisas da vida. Triste, mas verdadeiro...

Acho que o filme causaria náuseas aos que não estão acostumados com a violência desencadeada pelo tráfico nas cidades e a corrupção de autoridades, indo de policiais à generais de exército. Porém, tendo nascido e vivendo no Brasil, uma carapaça "natural" se forma em nossas mentes: não me senti chocado ou surpreso com o alto nível de jogos de interesses entre o crime organizado e a polícia mexicana, apenas pensei: "Talvez por aqui, em São Paulo, tudo seja ainda pior..."

Alex Martire



Ótima maneira de se aventurar pelo cinema de nossos "irmãos na violência" mexicanos.

Moneyball - O Homem que Mudou o Jogo, 2011.


Todo ano surgem aqueles filmes que servem apenas para encher linguiça e engrossar a lista de candidatos a prêmios de Melhor Filme. "Moneyball" é um típico caso dessa necessidade de montar listas longas que não necessariamente refletem a qualidade dos filmes.

Talvez eu até ficasse empolgado com "Moneyball" se eu entendesse algo de beisebol. Não sei patavinas do assunto, e depois de ter assistido ao filme continuo na ignorância... Também não entendo nada de futebol americano ou rugby, mas os filmes feitos sobre esses temas são, geralmente, vibrantes, onde timecos se superam e ganham campeonatos. "Moneyball" talvez fosse melhor se seguisse o "dentro de campo", mas a opção de mostrar a vida do administrador do time (na pele do Brad Pitt) deixou tudo tão chato... O problema é que não chega perto de "Jerry Maguire": "Moneyball" é um filme que apenas estadunidenses ou outros apaixonados pelo esporte gostarão.

Basicamente assistimos ao gerente do Oakland A's e sua luta para levar uma equipe pobre e sem estrelas à final do campeonato. E nisso vão mais de 2h de filme. O começo é até bacana, você fica prestando atenção às sacadas de Billy Beane na gerência, o problema da grana, sua motivação pessoal, mas depois se torna cansativo e repetitivo, e o final você vê e diz mentalmente: "É isso?!".

Pessoalmente, adoro filmes de superação. De verdade. "O lutador" e "Cisne Negro" são dois exemplos maravilhosos, sem contar que, na área de esportes, temos obras lindas como "Duelo de Titãs" (o meu filme de esportes preferido, com o sempre competente Denzel Washington) e os mais recentes "Um sonho possível" e  "Invictus". O filme novo de Brad Pitt está muito aquém dos exemplos citados. Por sinal, a única coisa que sustenta o filme, pra mim, é a atuação de Pitt. Sempre tive preconceito com ele atuando, mas de uns anos pra cá ele tem se mostrado um ator muito bom e, principalmente, um ator corajoso, que sempre escolhe papéis diferentes e desafiadores.

Uma pena que "Moneyball" desafie a paciência do espectador e a lógica das premiações.

Alex Martire


Labirinto - A Magia do Tempo, 1986.


Existem filmes que marcam nossas vidas. Ainda mais quando são vistos na infância. "Labirinto" é um desses casos. Acho que, junto aos "Goonies" e "Cristal Encantado", é uma das obras de que mais me lembro dos personagens. Tem a menina, o Rei dos Duendes, o gnomo, o monstrão vermelho e a raposa que cavalga seu cão: seres que ficam na memória.

Filmes que marcam nossas vidas são um tanto perigosos. Se na infância eles são maravilhosos, pois são vistos através de olhos de crianças, quando revisitados em fase adulta eles tendem a se esmaecer um pouco. Praticamente todos os filmes que adorava quando criança "sofreram" com isso quando os revi depois de velho: já não possuem a mesma magia - ou talvez eu já não bata mais palmas desejando que fadas existam. Mas sempre há um resquício, um saborzinho que fica não importando quantos anos passem. Com "Labirinto" é assim: ele tem, para mim, um delicado sabor de tarde nublada com bolinhos de chuva e chá mate. Ele é adocicado e traz um certo conforto ao assistir. 

Mas, se por um lado a magia se perde um pouco, por outro, passo a respeitar ainda mais Jim Henson e sua capacidade gigantesca em dar vida aos bonecos. E quer saber? Gosto que sejam bonecos! Gosto de saber que são marionetes ou homens vestidos com roupas de borracha. Gosto de saber que tudo é falso. Acho que os filmes de 20,  30 anos atrás tinham esse charme: tudo era palpável. Hoje em dia praticamente não há mais esse tipo de animação: tudo é feito em computação gráfica. Tudo bem, os computadores trouxeram a perfeição de movimentos e a imaginação ilimitada, mas ver roupas de borrachas e bonecos ainda traz algo de positivo: as texturas. Por mais perfeitos que sejam os personagens digitais, os em carne e osso são bem mais "palpáveis", mais reais. Você sabe que eles estão ali contracenando. Há defeitos e limitações, claro, mas quem disse que cinema tem de ser perfeição?

Revisitei esse clássico em blu-ray agora. Muito bom assistir em alta definição! E é ainda melhor saber que não mexeram no filme: as imagens cristalinas são tão puras que é possível ver os vários cabos e fios de náilon que estão presos aos bonecos e cenário! E isso é ótimo! Não desmerece o filme, só faz com que minha admiração a esses batalhadores da era pré-computador aumente. Tudo agora ficou mais bonito, é verdade. O labirinto onde Sarah se perde, a Cidade dos Duendes e o Castelo dos Duendes (com uma incrível simulação das escadarias pintadas por Escher), são ainda mais bonitos e reais em blu-ray. Jennifer Connelly, ainda adolescente na época, já dava mostras de sua competência em atuar, sendo hoje em dia uma de minhas atrizes preferidas (além de ser uma das mulheres mais lindas do mundo com seus cabelos negros e olhos esverdeados).

Se rever filmes de infância tem um lado negativo (o de perderem a "graça"), ele traz um lado infinitamente melhor: o desejo de um dia poder assistir a esses filmes com os nossos filhos. Filmes de uma época em que tudo era mais "ingênuo", de uma época em que o gênero Fantasia ainda era levado a sério.

Alex Martire



Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres, 2011.


Ai, ai, ai. Vejamos: David Fincher é um dos meus diretores prediletos. O cara tem no currículo coisas que considero ótimas, como "Alien 3", "Seven", "Clube da Luta", "Zodíaco", "Benjamin Button" e "A rede social". E então ele fez "Millennium - O homem que não amava as mulheres"... 

O filme é longo demais, tem 2h40min, é muito arrastado. Tudo bem, é uma história de investigação criminal. Mas "Zodiaco" também é, e vejam que maravilha! É fluido, tenso, não cansa: é o oposto de "Millennium". Li em algum lugar que o filme é frio demais. Tenho de concordar: não dá para se envolver com os personagens, mesmo com mais de 2 horas de filme.  Você  assiste e fica olhando pro relógio. O tempo passa e depois de quase 2 horas o "caso principal" do filme é resolvido. Beleza! Então pode acabar, não é? Não. Fincher lhe obriga a ficar mais uns 40 minutos vendo o "caso secundário". Não li nenhum livro da trilogia e acredito que esses casos sejam essenciais mesmo, mas não precisava levar tanto tempo para contar tudo. Ou levasse o tempo que levou e fosse mais dinâmico! Dá um sono danado e, se for ver no cinema, tente não pegar aquele refrigerante de 1L: certamente terá de usar o banheiro antes de o filme terminar. 

A versão sueca do filme lançada há poucos anos é muito superior. Aliás, desde que o Fincher anunciou que faria esse remake eu pensava: "Pra quê? Tudo isso por que estadunidenses são preguiçosos para ler legendas? Tudo em nome do capital...". Mas se o diabo no meu ombro dizia isso, o anjo no outro dizia: "Assista, é do Fincher, ele nunca decepciona". Eu deveria ter escutado o diabinho: esse é, de longe, o pior filme do Fincher. Um filme que não acrescenta nada à obra sueca e, pior, conseguiu tornar chato uma história muito envolvente.

Eu me decepcionei demais. Tomara que o Fincher tenha vergonha na cara e acerte a mão no próximo filme. ..

PS: Rooney Mara ter sido indicada ao Oscar é uma afronta.

Alex Martire



Night Fishing, 2011.



Nem só de equipamentos caríssimos vive o Cinema. Chan-wook Park  (e Chan-kyong Park) teve de abrir mão de tecnologia extremamente avançada para filmar seu "Night Fishing". O diretor coreano filmou a obra toda apenas utilizando celulares iPhone 4! Tudo bem que ele acoplou lentes específicas na frente do celular para algumas tomadas, mas a "essência" amadora continua lá, afinal, tudo passa pela qualidade do fone da Apple e sua própria lente. O resto é deixado para a pós-produção, com a  aplicação de filtros de correção e outras coisas que desconheço. 

A história é um tanto estranha e confusa para os padrões ocidentais. Acho que eu teria apreciado bem mais os 30 minutos do filme se soubesse algo do folclore coreano, já que um enredo onde um pescador fisga uma mulher e entabula conversa não é um dos mais fáceis de se entender quando há reviravoltas com relação a quem realmente está morto. Não é só isso: a própria opção de se iniciar o filme como um videoclipe de uma banda é estranha, mas a gente sempre espera o "estranho" do diretor de "Oldboy", e é muito bom que ele nos brinde com isso. Não dá pra não se entusiasmar com o que Park faz aqui: simples aparelhos com câmeras em HD, quando bem usados, produzem cinema de ponta. 



Mas acho, para mim, é isso apenas : originalidade técnica. Como disse, apreciaria melhor a história se tivesse bagagem cultural coreana. O filme pode ser classificado como "terror", mas é de um tipo mais sobrenatural do que gore (se é que alguém conseguiu sentir medo ao ver esse filme...). De qualquer modo, se tiver 30 minutos para gastar, valerá a pena tentar desvendar como Chan-wook Park fez o seu curta com tão poucos recursos (e disponíveis a uma boa parcela da população hoje em dia).

Alex Martire



Os Descendentes, 2011.




O que se segue é um mea culpa.


Quando vi o trailer do novo filme de Alexander Payne no cinema a primeira coisa que me veio à cabeça foi: "Mas que porcaria é essa?! É esse o filme que está concorrendo ao Globo de Ouro e que provavelmente concorrerá ao Oscar?". Pois é, ele não só concorreu, como ganhou o Globo de Ouro Drama semana passada. Fiquei acordado até tarde para assistir à premiação e fui dormir revoltado, tendo em mente ainda o trailer que havia visto.

Assisti, então, ao filme. E assisti meio envergonhado: o que vi é uma obra que não faz jus ao trailer em momento algum. É um filme brilhante! Ele é extremamente leve, lembrando filmes que acho idiotas como "Miss Sunshine" e "Juno", mas em um tom diferente, esperto e, ao mesmo tempo, é uma obra muito pesada, lidando com o tema da morte já anunciada em um coma induzido.

Mas qual o diferencial então? Há filmes que se sustentam no roteiro (o que todos deveriam fazer, em minha opinião) e filmes que vão ainda mais além e conseguem também se sustentar nos diálogos. "Os descendentes" é esse caso: é um show de frases inteligentíssimas e bem contextualizadas, lembrando muito o que vi no magnífico (e um dos melhores filmes do mundo) "Onde os fracos não têm vez" (2007). Exemplo? Clooney vai perguntar sobre o amante de sua esposa a uma amiga: ela diz que a mulher dele se sentia sozinha, estava carente, que ele não se fazia presente, e ele a interrompe: "Vai falar comigo com clichês sobre mulheres?". Ainda sobre o Clooney, não tenho opinião formada sobre ele direito: é um ótimo diretor e um bom ator mas, atuando, acho que ele sofre do estigma de galã por ser bonitão: ele sempre tem aquela cara de homem rico pegador, isso prejudica um pouco.

Há o alívio cômico na figura do amigo de sua (lindinha) filha mais velha, o Sid, que talvez seja a pessoa mais sensata na obra. E há todo o dilema de como criar as filhas com a mãe ausente, no hospital. A cena da filha mais velha chorando dentro da piscina é de uma beleza rara, embora dure segundos. Por sinal, embora o filme não ouse na edição, ela é muito competente, tornando tudo fluido. A trilha sonora havaiana (em que o cantor deve ser o Sérgio Reis) torna as tomadas externas ainda mais belas.

Eis a beleza do Havaí. E eis a normalidade no Havaí: nos primeiros segundos do filme o voice over de Clooney já anuncia: não é só porque moro aqui que minha vida é ótima e vivo em férias, aliás, não surfo há 15 anos. E a escolha do cenário havaiano não poderia ser mais eficaz: eles vivem num "paraíso", mas choram como qualquer outra pessoa. E é na dor que a família se une: uma dor sabor lágrimas com sorvete de morango e café.

"Os Descendentes" provavelmente não ganhará o Oscar. Sinceramente, nem acho que deveria ganhar: é um filme maravilhoso, mas ainda é apenas um grande filme, não é espetacular (nesse ponto, "Histórias Cruzadas" é muito superior) a ponto de levar o Oscar: infelizmente o chatérrimo "O Artista" deve levar a estatueta pra casa. Mas ele entrará em circuito essa semana (e amanhã já tem pré-estreia) e merece demais ser visto. Pode não ser espetacular, mas é daqueles filmes que a gente nunca esquecerá.

Sim, eu mordi a língua, Payne, desculpe.

Alex Martire



O Artista, 2011.



Eu estava tão ansioso para ver esse filme. Afinal, a crítica tem adorado, a nota no imdb é altíssima, ele ganhou o Globo de Ouro na categoria Musical/Comédia. Tinha tudo pra ser bom. Pois é, "tinha"...

"O Artista" é, até agora, o filme mais entediante, mais chato que vi esse ano. Quer a história? (afinal, "filmes têm de ter história, blá,blá, blá, por isso que odeiam o Malick, blá, blá, blá") Um famosíssimo ator da era do cinema mudo se vê no difícil dilema entre fracassar no mundo mudo ou mudar sua carreira e começar a atuar no cinema falado que surge na década de 1930. Ponto. Tudo bem, o filme é uma homenagem ao cinema (Hollywoodiano, claro), ele vai do cinema mudo ao (insuportável, pra mim) cinema "sapateado". Tudo é muito bonito, o P&B é excelente, a trilha faz jus aos filmes antigos. E acaba nisso. De resto, são 1h30min lutando contra o sono e o marasmo: historinha besta demais, romancezinho idiota demais, uma frase de efeito ao final do filme extremamente desnecessária (melhor seria se tivesse ficado o filme todo mudo).

Sinceramente, não vi profundidade alguma nesse filme. Ele ganhou um dos Globos de Ouro por falta de concorrentes. E, se ganhar o Oscar, é pura e simplesmente por contar uma história de Hollywood, nada mais. "Ah, mas tem a questão da homenagem ao cinema, Alex!" - dirão. Ok, tem sim. Mas, pergunto: é emulando filmes antigos que se homenageia algo? Mil vezes melhor "Cinema Paradiso", aquilo sim é homenagem ao cinema! Nada de emulação, apenas paixão. Dar um Oscar para "O Artista" seria o mesmo que dar um prêmio para um programador que conseguiu fazer com que jogássemos Super Nintendo ou Mega Drive no PC: é legal jogar games antigo? Ô se é! Mas dê prêmios aos originais, não aos que emitam. "O Artista" não passa disso: uma cópia do dilema pelo o qual passou Buster Keaton - esse, sim, um ator genial.

Por sinal, se quer ver filmes realmente bons e que ocorreram nas décadas de 20 e 30, fique com os do Buster Keaton (e dê um voto de misericórdia ao Chaplin, coitadinho): fuja d"O Artista" (a menos que queira um remédio contra insônia).

Alex Martire



Sherlock (BBC), 2010-2012.



É arriscado escrever sobre algo que absolutamente, absurdamente, completamente sou apaixonado. Tenho em minha lista de coisas a fazer antes morrer uma visita ao 221B de Baker Street em Londres. Tenho a obra completa de Sherlock Holmes e a devoro com o tesão que poucas coisas nesse mundo conseguem surtir em mim. E desde 2010 acompanho essa série da BBC, aguardando ansiosamente as notícias que dizem "ela voltará a passar em tal data".

Não acompanho séries. Não gosto de séries porque elas demoram demais para acabar. Mas "Sherlock" é diferente, pelo próprio caráter da obra do Doyle: são episódios sem ligação entre si. Você assiste e tudo tem início, meio e fim (em 1h30min). Bom pra mim.

Terminei de assistir à segunda temporada e ainda estou sob o "domínio" da série. Diferentemente da pataquada protagonizada pelo Downey Jr recentemente, tirando o fator cérebro das histórias do Sherlock para colocar o fator ação desenfreada, a série da BBC exige atenção do espectador: tem de ficar atento a tudo, tem de se deixar ser levado pelos pensamentos de Sherlock (ou o olhar de Watson), ele é o ser quase onisciente, nós somos aqueles que observam e escutam, tentando entender. E tudo fica ainda mais gostoso pela opção da BBC em trazer Sherlock para o século XXI: Watson escreve as aventuras num blog (!), bilhetes são enviados por SMS, tudo é muito dinâmico e fluido.

Até agora são seis episódios apenas, todos eles baseados em algum dos contos ou romances de Conan Doyle, todos eles transpostos para o século XXI com uma competência única. De todos, o último episódio da segunda temporada, inspirado por "O problema final", foi o que me deixou mais pasmo. A briga intelectual entre Holmes e Moriarty mostrada nesse filme é brilhante. E digo que esse filme está entre os melhores do gênero policial que já vi na vida: é um filme perfeito, em todos os sentidos. Simplesmente perfeito.

Se for fã de Sherlock, assista à série: é necessário, é essencial.
Se gosta apenas de bons filmes policiais inteligentes, não irá se arrepender de modo algum.

(detalhe: o Sherlock e o Watson da série interpretam, respectivamente, Smaug e Bilbo Bolseiro no "Hobbit" que será lançado em dezembro. Protagonistas perfeitos.)

Alex Martire



L'Apollonide - Os amores da casa de tolerância, 2011.




Putas bonitas e perfumadas se misturam à pinturas em tons pastéis. Dirigido por Bertrand Bonello, esse filme francês teve sua exibição em Cannes do ano passado, e deve ter arrancado suspiros. Suspiros de tesão, de alegria, de tristeza, de lágrimas... há tudo isso no filme. E, se há tudo isso, obviamente só temos um aspecto possível de retratação das personagens prostitutas parisienses durante 1899 e 1900, o aspecto humano. Não é um filme melodramático, onde as prostitutas são sempre vistas como vítimas, com suas vidas difíceis e futuros despedaçados. Ao contrário, aqui, elas sonham, e sabem que abrindo as pernas para o cliente certo pode trazer a esperança de sair da casa de tolerância, ou que podem ganhar sorrisos riscados se o cliente assim o desejar. 


A obra de Bonello tem um esmero visual impecável: um filtro esverdeado reforça a cor amarelada do vestido das moças, tornando todas as cenas verdadeiros quadros a serem admirados. Tudo fica mais bonito com os olhos azuis, verdes, castanhos e os cabelos (e pelos pubianos, por que não?) pretos, loiros e ruivos das nove mulheres que habitam e trabalham em L'Apollonide: tudo aqui tem a cor certa para nos hipnotizar, como se estivéssemos juntos na sala abafada por fumaça de cigarros e taças de champanhe caro. E também há a Léa, a ruiva de cabelos ondulados e olhos azuis (para mim, a fina prata da casa), de voz rouca e presentes especiais. 

Fugindo da "redenção", acho que Bonello acertou em cheio ao retratar o universo boêmio parisiense dessa época sem fazer julgamentos demais, sem cair no moralismo. Para quem não tiver problemas com cenas de nudez e diálogos "fortes", prepare-se para reflexões profundas (mesmo que oriundas daquilo que se esconde por debaixo da saia das moças), pois, como disse uma das mulheres a certa altura do filme: para aguentar a vida de puta, tem de ser puta.

Alex Martire



As Aventuras de Tintim, 2011.



"As Aventuras de Tintim" ou "Da monotonia à diversão: Spielberg e sua redenção".

Semana passada fui assistir ao "Cavalo de Guerra", o novíssimo filme do Spielberg. Não vou perder tempo dizendo que achei muito ruim, que dá sono, que é longo demais, que o discursinho de herói é batido, etc. etc. Porém, hoje ao ver "Tintim", voltei a me encontrar com um cinema spielbergeriano divertido, dinâmico, no melhor estilo "Indiana Jones" de aventura. Boa surpresa para quem já estava começando a riscar o nome do Spielberg da lista de futuros filmes a assistir.

Primeiro, "Tintim" é um filme que respeita a sua vontade de ir ao banheiro. Ao contrário do "Cavalo", esse filme não te faz apertar as pernas no cinema e desviar os pensamentos para algo que não seja água: ele tem a duração normal de filmes. Ponto positivo.

Segundo, "Tintim" não possui aquele discurso "família" tão típico do Spielberg. Haddock é bêbado mesmo e isso é aceito (a piada sobre a água é ótima).

Terceiro, um dos 3D mais incríveis depois de "Avatar". Diria que é quase perfeito! Só não o é por causa dos famosos 24 frames/ segundo, que acabam gerando borrões em cenas mais agitadas. A técnica empregada (a mesma de "Beowulf" e afins) está elevada a outro patamar aqui. Texturas excelentes, movimentações suaves. O 3D é empregado de maneira inteligente, gerando "fundos", não arremessando coisas na tela. Eu passei quase 1/3 do filme assistindo-o sem os óculos para tentar entender como havia sido feito - coisa boa, eu aprendi. Há toda uma jogada de focos brilhante e acho que agora saquei como é feito o 3D polarizado atual.

O "quarto" não tem relação com o filme do "Tintim", mas me deixou muito contente: o trailer da "Bela e a Fera 3D" é emocionante e estou muito ansioso para vê-lo em breve (a Disney caprichou na conversão); o trailer de "Hugo", filme novo do Scorsese e um dos candidatos a Melhor Filme no Globo de Ouro que acontece domingo agora (dia 15), também me deixou boquiaberto, está impecável e a história me cativou.

Se vale a pena gastar mais para ver "Tintim" na telona e em 3D? Sim, e muito! Tanto para apaixonados pelas histórias pré-cinema como para os que, assim como eu, não tiveram contado anterior com a obra do Hergé.

Alex Martire



As Flores da Guerra, 2011.




Semana passada postei algumas impressões de "A árvore do amor" (2010), filme do chinês Yimou Zhang e mencionei que, de sua filmografia, faltava assistir ao "As flores da guerra". Acabo de preencher essa lacuna e posso dizer que, pra variar, não me surpreendi nem um pouco: Zhang nunca fez um filme ruim, e dessa vez não foi diferente: "As flores da guerra" é um grande épico (por mais redundante que isso possa parecer). Se o diretor nos acostumou com filmes passados no período feudal chinês, dessa vez ele nos coloca na Nanquim ocupada pelos japoneses em 1937: espadas são trocadas por rifles e pólvora. E o faz com pulso firme e de maneira brilhante (simplesmente não consigo evitar o uso desse adjetivo quando falo de Zhang). O contraste com seus filmes anteriores é nítido e causa um certo estranhamento no começo: aqui não há o colorido imperial, não há ouro ou lutas que ressaltam a areté dos combatentes, somos mergulhados no pó, na sujeira, nas ruínas de Nanquim - quase todo o filme tem um tom sombrio, de sujeira e decadência: a guerra não é colorida e animada, afinal. Toda essa mudança na paleta de Zhang me deixou desconfortável nos primeiros minutos do filme, me lembrando algo como "O resgate do soldado Ryan", mas logo isso passa e é então que o estilo de Zhang se faz presente: o uso das cores em meio ao caos. É um mundo praticamente acastanhado e cinzento, mas isso não impede de tecidos coloridos voarem em explosões e, principalmente, são as cores que trazem o título do filme: as prostitutas refugiadas na catedral, com seus vestidos exuberantes e maquiagens graciosas, são as verdadeiras flores em meio à guerra.

Em um filme praticamente todo rodado em um único cenário - a catedral - a força do roteiro e as atuações sustentam a obra do começo ao fim. A performance de Christian Bale, pra variar, é bem segura e competente (aliás, pra mim, é um dos grandes atores da atualidade; embora ninguém vença Ricardo Darin) como o "padre" responsável por tomar conta das órfãs e das refugiadas prostitutas. Em um filme de 2h20, Zhang põe sua sensibilidade característica na tela, deixando um filme fluido e tecnicamente impecável. O que mais adoro nesse diretor é a facilidade de transitar por temas tão diferentes em tão pouco tempo e de modo tão singular e excelente. Em 2010, Zhang lidou com as alegrias do amor: agora ele nos entrega a poesia (e por que não a poética?) da morte. 
Sorte nossa.

Alex Martire


Vapor da Vida, 2010.




"...e perguntei se eu poderia, um dia, visitá-la para tomar um café. Ela disse que sim, e em pouco tempo eu a visitei com um buquê de flores. Foi assim que começou e ainda continua..."


Sempre achei que tomar café com alguém é um ato quase mágico, uma espécie de ritual que, para mim, me traz um prazer muito grande e, geralmente, grandes lembranças também. O "Vapor da Vida" é sobre isso: recordações, memórias... aqueles pedacinhos de vida que ficam presos no cérebro e jamais o largam. Esse documentário finlandês, a meu ver, teve uma enorme proeza: mostrar que os homens também sofrem, amam e riem. Pode parecer besteira isso tudo e sempre haverá alguém para dizer: "mas é claro, são humanos". A realidade, porém, é bem diferente. Não é fácil para nós demonstrarmos o que sentimos. E o filme vai, literalmente, despir os homens de suas armaduras e colocá-los em saunas (o que me parece ser algo bem arraigado à cultura finlandesa) para confessarem seus sentimentos. E irão contar histórias maravilhosas... talvez ainda mais interessantes por sabermos que são reais. O momento mais feliz da vida de um - conta ele com a voz embargada aos demais - é o nascimento de sua filha. Outro lamenta o fato de a esposa não deixá-lo ver a filha, de não ter alguém para chorar com ele, pois admite que chorar sozinho talvez seja uma das maiores dores que existem. Há ainda um homem que ficou um bom tempo preso e, numa tarde de sol na cadeia, uma borboleta cruza as grades e pousa sobre sua caneca: esse ato tão simples o faz modificar seus pensamentos suicidas e fazer uma promessa: casar com a primeira moça que se sentasse ao seu lado no banco da igreja quando fosse solto - e a vida o presenteia com esse quase "conto de fadas". 

Aliada às histórias há a fotografia belíssima da Finlândia. Talvez seja bem fácil filmar por lá: basta deixar a câmera parada no tripé em qualquer canto e você terá uma imagem magnífica - são realmente deslumbrantes. O filme todo é feito desse jeito, com a câmera parada: somos sempre observadores. O único momento em que ela se mexe é ao final, fazendo um travelling para dizermos adeus a esses homens, que cantam encantadoramente.

O grande mérito do documentário é realçar o que somos obrigados a esconder no cotidiano: também choramos e temos nossa fragilidade. Às mulheres foi legada essa fortuna; a nós? A nós nos foram proibidas a carência e a demonstração afetiva (vistas como sinal de fraqueza masculina). Mas sabemos muito bem que essa "força" só acontece da boca pra fora...

Alex Martire





A Árvore do Amor, 2011.




"Eu não posso esperar por você por um ano e um mês.

Eu não posso esperar por você até você ter 25.
Mas eu tenho esperado por você minha vida inteira".


Nunca escondi de ninguém que morro de amores pelo cinema oriental vindo da trindade China, Coreia, Japão. É o meu preferido. Acho que gosto tanto porque em seus filmes eles não escondem nada: se for violento, terá uma violência absurda (mas não gratuita); se for de tristeza, ele fará com que você fique dias com aquela angústia no peito; e se for de amor... bem, temos o exemplo de "A árvore do amor". É um filme brilhante, sem cair em uma paixonite aguda que nutro pelos filmes do lado de lá. O diretor Yimou Zhang tem uma filmografia impecável, e não me recordo de não ter gostado de algum filme que ele fez, desde o "Sorgo vermelho" , passando por "Lanternas vermelhas", "Nenhum a menos" (filme irretocável sobre pedagogia), "Herói", até o que aguardo ansiosamente, "Flores da guerra" (candidato chinês ao Oscar 2012). 

"A árvore do amor" é um quadro em movimento. É um desfile embasbacante pela paisagem campestre da China no período da Revolução Cultural do Mao. A história de amor entre Sun e Jing se desenvolve nesse pano de fundo que impunha limites ao que hoje seria considerado normal: amar quem quisermos. É também um filme delicado como a pintura do espinheiro na bacia que verte água para os pés da moça Jing: tudo nele é repleto de gestos... gestos pequeninos e magistrais, belos e singulares ao mesmo tempo. E me sinto bem vendo um filme em que o diretor pensa como eu: valorizando esses gestos cotidianos: desse modo, temos a timidez do casal expressa por contatos rápidos - é o toque entre as mãos que acontece entre a falta de ar, é o abraço debaixo do casaco para se manterem quentes, é o beijo na bochecha de Jing, que a faz enrubescer de maneira apaixonante. E, principalmente, é o amor que dura o quanto for, não importando o tempo que temos de esperar (como a frase que citei acima).


Talvez o filme seja uma grande metáfora para o espinheiro da aldeia: o amor cresce se o adubarmos corretamente, ele irá florescer na primavera, mas ele também tem seus espinhos que o farão sangrar e chorar. E, depois de anos, sua memória ainda restará, mesmo que a construção de Três Gargantas possa ter inundado a paisagem (muitas gotas, certamente, oriundas das tristezas daqueles que outrora lá habitaram) para sempre.


Sinceramente, é um dos melhores romances/dramas que já vi: afirmo com certeza. Entra obrigatoriamente para a lista daqueles que gostam desse gênero. E, o que me encantou demais: Yimou Zhang compartilha do meu mesmo ponto de vista sobre "final feliz".


Resta, então, a frase de Sun dita para Jing:


"Você pode nunca ter se apaixonado antes, não acreditar em amor eterno. Quando você se apaixona, você sabe que tem alguém que preferiria morrer do que trair você".


E o que é o amor se não isso?

Alex Martire



 
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