Felix Van Groeningen é um nome que eu nunca havia ouvido falar. O diretor belga tem 5 filmes no currículo (todos com notas muito boas no IMDB) e, agora, ganha um destaque maior por ter sua obra mais recente, The Broken Circle Breakdown, como pré-candidata ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014. Porém, de agora em diante ficarei mais atento ao seu trabalho, pois competência Felix Van Groeningen tem de sobra!
The Broken Circle Breakdown é um filme que, ao mesmo tempo, parece tão familiar e tão original a quem assiste. Contudo, creio que sua maior qualidade seja a de casar a tristeza profunda que impera no filme com a sutileza de momentos felizes e, ponto para os roteiristas, música bluegrass de alta qualidade. O filme não tem uma estrutura fácil, pois é montado em forma helicoidal, ou seja, a todo momento há passagens mescladas do passado, presente e futuro, mas é justamente aí que reside sua força: ele deixa o espectador curioso, tentando adivinhar o que está se passando. E, além de instigar a curiosidade, The Broken Circle Breakdown também arranca algumas lágrimas (ou muitas) de quem assiste - mas sem jamais se tornar apelativo e cair no dramalhão.
Uma história de alegria e tristeza. Acompanhamos a vida do casal Didier - tocador de banjo - (brilhantemente interpretado por Johan Heldenbergh) e sua amada (e carismática e cheia de vida) Elise (a bela atriz Veerle Baetens). Embora, como dito, não sendo linear, podemos acompanhar todo o ciclo que dá título ao filme, vendo o primeiro encontro e acompanhando o desfecho de suas vidas. A união do casal é marcada pela vinda de sua filha, Maybelle, que representa uma negação, uma alegria e uma preocupação. O filme começa justamente com o diagnóstico de câncer na garota de 7 anos mas, ao invés de ficar apenas focado nisso, The Broken Circle Breakdown vai além e entra no campo religioso: Didier é ateu, Elise é cristã. No entanto, evitando todos os clichês possíveis, o filme torna-se inteligentíssimo ao abordar esses temas (a cena de Didier explanando à esposa como teria de explicar a morte de um passarinho à filha é genial). A obra entra em um crescendo que nos faz querer ver mais e mais da história, em nenhum momento se tornando cansativa. E, um pouco antes da metade da projeção, ocorre um marco que afeta a vida do casal de músicos e vai minguando a felicidade.
Para não entrar em mais detalhes sobre o filme, vale destacar aqui a estonteante fotografia de The Broken Circle Breakdown: simples, como a vida do casal (as cenas de nudez no campo são bastante poéticas), e que valoriza as tatuagens de Elise, que faz questão de marcar na pele cada etapa (boa e ruim) de sua existência. As tatuagens tornam Elise uma figura muito interessante, e ver sua pele nua é um exercício de decodificação. Do mesmo modo, as músicas são elemento essencial na narrativa: o casal canta junto com os amigos da banda, e muitas vezes cantam aquilo que aconteceu em suas vidas: a parte em que Elise canta sobre a filha que quer ver a mãe é tocante, e a cena quase final do casal cantando sobre o amor com Elise ignorando Didier é de uma dor gigantesca. Mas a música, que inicia o filme, chega a fechá-lo e nos mostra uma das cenas mais belas já feitas até hoje! É impossível ficar apático ao momento: é lindamente triste, embora soando alegre - é um paradoxo que nos faz repensar muitas coisas sobre o ato de existir.
E a existência é o cerne de The Broken Circle Breakdown. Existimos por causa de um deus - como pensa Elise - ou somos um acaso surgido de uma explosão como pensa Didier? A verdade é que ateus e teístas nem sempre conseguem um convívio tranquilo e isso tende a piorar quando nasce uma filha e uma tristeza abala nossas vidas. Elise e Didier entram em uma discussão séria sobre almas e vida pós-morte e isso gera um dos momentos inesquecíveis da obra: o discurso acalorado de Didier durante um show sobre a proibição de pesquisa com células-tronco nos EUA (durante o governo Bush) - dita como algo que vai contra Deus - e a figura maligna de Deus retratado na Bíblia. Quando a tristeza abala a família, Didier encontra em seu ateísmo a razão de continuar a viver; Elize, por sua vez, busca na espiritualidade o seu conforto. A situação torna-se insustentável e o círculo quebrado.
The Broken Circle Breakdown é um belíssimo filme em todos os sentidos. Um dos melhores que vi esse ano. Torço para que chegue a concorrer ao Oscar 2014: é um reconhecimento à altura de tão grande obra. Um filme marcante.
Alex Martire