Impressões Recentes

The Broken Circle Breakdown, 2012.


Felix Van Groeningen é um nome que eu nunca havia ouvido falar. O diretor belga tem 5 filmes no currículo (todos com notas muito boas no IMDB) e, agora, ganha um destaque maior por ter sua obra mais recente, The Broken Circle Breakdown, como pré-candidata ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014. Porém, de agora em diante ficarei mais atento ao seu trabalho, pois competência Felix Van Groeningen  tem de sobra!

The Broken Circle Breakdown é um filme que, ao mesmo tempo, parece tão familiar e tão original a quem assiste. Contudo, creio que sua maior qualidade seja a de casar a tristeza profunda que impera no filme com a sutileza de momentos felizes e, ponto para os roteiristas, música bluegrass de alta qualidade. O filme não tem uma estrutura fácil, pois é montado em forma helicoidal, ou seja, a todo momento há passagens mescladas do passado, presente e futuro, mas é justamente aí que reside sua força: ele deixa o espectador curioso, tentando adivinhar o que está se passando. E, além de instigar a curiosidade, The Broken Circle Breakdown também arranca algumas lágrimas (ou muitas) de quem assiste - mas sem jamais se tornar apelativo e cair no dramalhão.

Uma história de alegria e tristeza. Acompanhamos a vida do casal Didier - tocador de banjo - (brilhantemente interpretado por Johan Heldenbergh) e sua amada (e carismática e cheia de vida) Elise (a bela atriz Veerle Baetens). Embora, como dito, não sendo linear, podemos acompanhar todo o ciclo que dá título ao filme, vendo o primeiro encontro e acompanhando o desfecho de suas vidas. A união do casal é marcada pela vinda de sua filha, Maybelle, que representa uma negação, uma alegria e uma preocupação. O filme começa justamente com o diagnóstico de câncer na garota de 7 anos mas, ao invés de ficar apenas focado nisso, The Broken Circle Breakdown vai além e entra no campo religioso: Didier é ateu, Elise é cristã. No entanto, evitando todos os clichês possíveis, o filme torna-se inteligentíssimo ao abordar esses temas (a cena de Didier explanando à esposa como teria de explicar a morte de um passarinho à filha é genial). A obra entra em um crescendo que nos faz querer ver mais e mais da história, em nenhum momento se tornando cansativa. E, um pouco antes da metade da projeção, ocorre um marco que afeta a vida do casal de músicos e vai minguando a felicidade.

Para não entrar em mais detalhes sobre o filme, vale destacar aqui a estonteante fotografia de The Broken Circle Breakdown: simples, como a vida do casal (as cenas de nudez no campo são bastante poéticas), e que valoriza as tatuagens de Elise, que faz questão de marcar na pele cada etapa (boa e ruim) de sua existência. As tatuagens tornam Elise uma figura muito interessante, e ver sua pele nua é um exercício de decodificação. Do mesmo modo, as músicas são elemento essencial na narrativa: o casal canta junto com os amigos da banda, e muitas vezes cantam aquilo que aconteceu em suas vidas: a parte em que Elise canta sobre a filha que quer ver a mãe é tocante, e a cena quase final do casal cantando sobre o amor com Elise ignorando Didier é de uma dor gigantesca. Mas a música, que inicia o filme, chega a fechá-lo e nos mostra uma das cenas mais belas já feitas até hoje! É impossível ficar apático ao momento: é lindamente triste, embora soando alegre - é um paradoxo que nos faz repensar muitas coisas sobre o ato de existir.

E a existência é o cerne de The Broken Circle Breakdown. Existimos por causa de um deus - como pensa Elise - ou somos um acaso surgido de uma explosão como pensa Didier? A verdade é que ateus e teístas nem sempre conseguem um convívio tranquilo e isso tende a piorar quando nasce uma filha e uma tristeza abala nossas vidas. Elise e Didier entram em uma discussão séria sobre almas e vida pós-morte e isso gera um dos momentos inesquecíveis da obra: o discurso acalorado de Didier durante um show sobre a proibição de pesquisa com células-tronco nos EUA (durante o governo Bush) - dita como algo que vai contra Deus - e a figura maligna de Deus retratado na Bíblia. Quando a tristeza abala a família, Didier encontra em seu ateísmo a razão de continuar a viver; Elize, por sua vez, busca na espiritualidade o seu conforto. A situação torna-se insustentável e o círculo quebrado.

The Broken Circle Breakdown é um belíssimo filme em todos os sentidos. Um dos melhores que vi esse ano. Torço para que chegue a concorrer ao Oscar 2014: é um reconhecimento à altura de tão grande obra. Um filme marcante.

Alex Martire








O Hobbit: A Desolação de Smaug, 2013.


Há filmes que simplesmente se tornam desnecessários quando vistos com mais atenção. Em 2003, os irmãos Wachowski mostraram isso ao jogarem no mundo o seu Matrix Reloaded: sem acrescentar praticamente nada de útil à história central, o filme foi claramente feito com o intento de se montar uma trilogia. Confesso que até estava confiante quando Peter Jackson anunciou que a adaptação do livro O Hobbit seria em duas partes - embora achando que um filme de 4 horas desse conta, até que repensei e acabei concordando com a divisão em duas partes. Elas seriam suficientes. Porém, pouco antes da estréia de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (2012), o diretor anunciou que a obra ganharia mais um capítulo, formando a trilogia (numa clara tentativa de se igualar ao Senhor dos Anéis (2001-2003). Há um problema central nessa escolha: o livro sobre as aventuras de Bilbo Bolseiro tem cerca de 1/4 do tamanho do Senhor dos Anéis. Desse modo, ficou claro desde o começo que o diretor Peter Jackson tomaria liberdades maiores do que as que tomou na trilogia anterior e teria de inventar passagens para produzir 3 filmes com quase 3 horas de duração cada. 

Quando assisti ao O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, tive a surpresa de que ocorreu justamente o contrário: o filme é extremamente longo e cansativo não por causa de invencionices, mas justamente pela decisão do diretor de simplesmente ser literal demais, levando às telas cada trecho do livro. Dessa vez, porém, com a simples justificativa de que era necessário transformar 2 filmes em 3, Jackson assassina finalmente a obra de Tolkien, deixando pouquíssimos elementos originais na tela e, o pior, errando a mão em cada elemento novo que traz ao público. O Hobbit: A Desolação de Smaug é um filme que não precisaria ter sido feito e, tornando-se real, é uma das piores coisas lançadas nesse já fraquíssimo ano cinematográfico de 2013.

Fazendo um esforço hercúleo, pude enxergar dois pontos positivos no filme: 1) em uma passagem na Floresta Negra (Mirkwood), quando os anões são atacados por aranhas gigantes, Bilbo coloca o Anel e passa a ouvir vozes dos aracnídeos - isso é algo que reclamei sobre a ausência no primeiro filme, já que os animais falam no livro... contudo, no filme, só falam quando estão no "outro lado", quando Bilbo bota o Anel e vê o mundo diferente; 2) Smaug é realmente impressionante do ponto de vista técnico: num filme em que a computação gráfica é, no geral, muito ruim (claramente percebe-se que certos personagens são feitos em CG), o dragão surge como uma grata surpresa, mas deixa a questão: ele só parece impressionante porque todas as passagens ocorrem em ambientes de pouca luz? De qualquer modo, a captação facial e o vozeirão de Benedict Cumberbatch, é um passo além do belo trabalho que vem sendo realizado desde o Gollum do Senhor dos Anéis.

Afora esses pontos acima mencionados, o filme é um desastre e deixa-nos realmente desolados... Peter Jackson esforça-se para acabar de vez com a obra original ao optar por um tom extremamente sombrio nesse segundo filme. O pior é que é um tom sombrio que simplesmente não reflete nas personagens: você não consegue sentir angústia ou sofrimento neles e não sei se isso é falha de roteiro (que acredito ser) ou falha de interpretação (que também não descarto). A impressão que me fica é a de que Peter Jackson desencanou nessa trilogia do Hobbit: ele fez um trabalho tão bom nos filmes anteriores que, me parece, isso justifica todas as suas faltas para com os filmes novos. 

E o que dizer de Beorn, uma figura interessante no livro e que, aqui, não tem a sua presença justificada? Seu aparecimento é tão rápido e desconexo que não dá pra engolir a retirada de Tom Bombadil da trilogia anterior: se fosse pra fazer algo tão superficial quanto fizeram com Beorn, deixassem o velho Tom em cena. Enfim, Beorn chega, fala umas 5 frases, e some parta não voltar. Sem contar que sua aparição como urso é muito grosseira, deixando claro que empregaram uma computação gráfica que não está à altura do orçamento gigantesco dos filmes. Outro ponto extremamente negativo no filme é a figura da belíssima-semi-deusa Evangeline Lilly (a Kate de Lost) como a elfa Tauriel: não tenho nada contra a inserção de personagens novos no filme, porém, Tauriel não se justifica. Ela existe apenas para mostrar que é a versão feminina de Legolas e para estabelecer uma historieta paralela dentro do filme simplesmente fútil: sua paixonite pelo anão Kili. Não entendo a necessidade de se colocar elementos românticos numa história em que nada disso acontece... De qualquer modo, se for fazer, que se faça direito, e não torno tudo em um martírio aos espectadores, já que as cenas são longas demais e quebram o fraquíssimo ritmo do filme.

Muitos podem dizer que o filme tem um ritmo alucinante. Bom, se por ritmo entende-se "batalhas atrás de batalhas", então eu teria de concordar. Isso é o que mais acontece em O Hobbit: A Desolação de Smaug: batalhas, batalhas e batalhas. Batalhas que não desenvolvem o filme em nenhum aspecto. Longas batalhas que fazem a gente pensar "falta muito para acabar?". Eternas batalhas que levam o filme a seus 160 minutos de tortura. Não há tempo para se desenvolver nenhum dos personagens nesse segundo filme (lembrem-se, eram 2 filmes que se tornaram 3, então teriam de "encher linguiça" em algum momento), pois eles estão lutando a todo momento! Assistir a mais de duas horas e meia de batalhas (bem feitas e coreografadas, tenho de concordar) é cansativo demais. Temos uns 15 personagens principais em cena e não descobrimos praticamente nada deles nesse tempo.

Enfim, Peter Jackson cometeu seu segundo erro seguido em O Hobbit: A Desolação de Smaug. Acredito que o filme só concorrerá em prêmios nas categorias técnicas: não acontecerá como em O Senhor dos Anéis, em que o último filme foi coroado com o Oscar numa espécie de conjunto da obra. Essa trilogia de hobbits e anões é simplesmente ruim demais para sequer sonhar em levar algo tão valioso quanto a Pedra Arken para casa.

Alex Martire


 
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