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Noé, 2014.



Vou resumir o filme em uma frase agora: O Deus cristão é um cara malvado.

Dito isso, posso esboçar algumas palavras sobre o novo filme de Darren Aronofsky que chega aos cinemas com ares épicos e polêmicos. Épicos por ser uma história bíblica. Polêmicos por ter sido dirigido por uma pessoa assumidamente ateia. Sendo eu mesmo ateu, consegui me identificar com a visão de Aronofsky na telona e, sendo eu mesmo ateu, não acredito que o diretor em momento algum ofendeu a fé cristã. Como dizem por aí: " se a carapuça serviu..."

Pois bem, vamos lá. Aronofsky é um diretor pelo qual tenho paixão profunda. Dois de seus filmes estão na minha lista de melhores filmes que já vi, sendo O Lutador (2008) um dos top 10 da minha lista de preferidos de todos os tempos (o outro filme, se alguém tiver curiosidade, é Cisne Negro, de 2010). Lembro que, ao escrever sobre o filme da bailarina (ou falar sobre ele com alguém, não me recordo agora), eu disse que esperava uma conclusão para uma trilogia: a trilogia de pessoas que venceram pela derrota (o lutador  e a bailarina vão até o fim de seus sonhos, mesmo custando vidas). Confesso que, em certos momentos, senti em Noé um personagem que faria jus ao desfecho dessa trilogia, mas em outros pensei que ele simplesmente escapou a isso. De qualquer modo, Noé é um personagem forte, que pode vir a ser lembrado dentro da filmografia de Aronofsky, mesmo pertencendo a um filme mediano quando comparado aos demais do diretor.

Noé é um homem atormentado. Sendo neto de Matusalém, ele vive numa espécie de terra "Mad Max" bíblica, onde só há desertos e carência. Quando adulto, suas alucinações (ou visões, dependendo de quem assiste ao filme) começam a mostrar o fim do mundo sob a água. Essas alucinações são um ponto forte do filme, pois não há uma separação nítida entre realidade e imaginário quando ocorrem - acredito que foi uma decisão acertada de Aronofsky. Com o passar do tempo elas se tornam mais frequentes até o dia em que ele "escuta o chamado de Deus" e começa, junto com sua família e os gigantes de pedra denominados Guardiões (da linhagem de Set, ou Abel, não lembro) a construir a Arca. O resto a gente já sabe: um casal de cada animal do mundo (menos cães, gatos e porquinhos-da-índia - que devem ter sido criados por Deus depois que percebeu a falta de animais no mundo novo), chuva, inundação que faz inveja ao rio Aricanduva, e recomeço. Isso seria um spoiler de milhares de anos, então não me preocupo em contar.

Junto a isso temos os arcos paralelos sobre os filhos de Noé: Sem quer ter filhos com Illa (Emma "Hermione" Watson), enquanto Cam se torna frustrado, pois está cansado de se masturbar e Deus não mandou Noé colocar nenhuma mulher a mais na Arca (coitado); tem o Jafé também, mas ele não é muito relevante no filme. Mas para tentar tirar leite de pedra de uma mitologia milenar que pouco conteúdo escrito tem a oferecer, Aronosfky cria a tensão na obra com a figura de Tubal-cain, um rei do povo da terra de "Mad Max" que deseja embarcar na arca para se salvar mas é barrado por Noé e coloca seu povo em batalha contra a família de Noé e os Guardiões de pedra.

Sei que muitos podem se perguntar agora: Mas isso não é ficção fantasiosa no estilo Senhor dos Anéis? Sim, é! E o mais incrível é que houve críticos nos EUA que falaram mal do filme por ele não ser fiel bastante à bíblia, por ser "fantasioso" demais...

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Retomando...
Aronosfky faz críticas sutis ao cristianismo em seu filme. Ou nós poderíamos entender assim. O fato é: o diretor mostra como Deus matou todos os seres humanos até então viventes com um dilúvio. Se isso é amor, é difícil pensar o que é ódio, correto? Daren Aronosfky trabalha muitíssimo bem essa questão com a personagem de Noé e seu filho Cam: que Deus é esse que mata inocentes? Ou, se não eram inocentes, nós somos mais puros do que eles? Afinal, não somos tão ou mais pecadores por termos fechado a Arca à centenas de outras pessoas que também tinham filhos, pais, e amavam? 

Aronofsky não julga essas questões, apenas nos apresenta e isso, para mim, é um crédito tremendo! Quem for cristão, provavelmente irá dizer "Mas é isso o que está escrito na bíblia". Os ateus dirão: "Belo Deus esse que mostra amor matando a todos". Essa é a beleza de Noé: um filme que pode agradar a todos ou fazer todos odiarem. Aronofsky brinca a todo o momento com a Criação e a Evolução (especialmente na parte em que Noé narra o surgimento do mundo), sem tomar partido, respeitando a (des)crença alheia.

Com uma fotografia competentíssima e seus famosas tomadas que seguem as personagens pelas costas, Noé é um filme de Aronofsky. É nítido. Contudo, creio que seja o filme mais fraco do diretor e facilmente será esquecido. A culpa, porém, não é dele em sua execução, mas, sim, em uma história que originalmente pouco oferece de conteúdo.

No entanto, entre os filmes bíblicos que não estão relacionados à vida de Cristo, Noé é a obra mais brilhante já realizada até o momento: profundo na construção de personagens e coeso. O filme ficaria melhor se não deslizasse em seu fim, com explicações desnecessárias que ofendem a inteligência do espectador.

Se vale a pena assistir? É Aronofsky! Só por isso já vale! A única coisa que não vale é pagar a mais para ver um filme em que o 3D é totalmente dispensável...

Alex Martire


 
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