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A Ilha de Bergman, 2006.


                                  Bergman sua Ilha, sua solidão, eterna juventude e seus demônios


Este filme comprei  entre outros em  um momento de impulso consumista, mas impulsos consumistas que resultam em compras de filmes e livros são altamente recomendáveis.  Não sou uma especialista em Ingmar  Bergman, ainda estou conhecendo pouco a pouco a sua filmografia, mesmo não sendo uma especialista da  produção Bergeniana uma coisa eu afirmo, seus filmes não são recomendados para domingos à tarde, quando estamos lamentando gradativamente a chegada da segunda-feira. 

Os filmes de Bergman por falta de um adjetivo mais apropriado são de uma densidade que nos fazem ficar indo e voltando a eles, buscando as melhores interpretações, as melhores leituras, todas essas no meu ponto de vista são tentativas inconclusas. Interpretações e leituras nem sempre implicam no conhecimento  de uma determinada coisa. Diante dessa minha constatação, fiquem  à vontade em discordar, o que nos resta e  nos rendermos  a nossas experiências como espectadores,  essas muito  únicas e muito particulares. Daí entre outros aspectos a  maravilha  do cinema. Li não sei direito onde uma declaração, acho que do Andrea Tonacci, - um dos ícones do nosso Cinema Marginal – que o cinema não deve ser encarado como um retrato da realidade – e de fato ele não é.

Minimizamos seus efeitos, seus valores, seus  significados, sua essência se o consentimos dessa forma.  De fato ele é a representação de uma  dada e pretensa realidade, mas acredito veemente que ele pode em maior ou menor escala nos ajudar a “lidar”,  compreendê-la  e conviver de forma mais amena com ela. Não sei se para vocês ?  Mas  para mim o cinema não é apenas uma  válvula de escape,  é  muito mais o meu lugar   de conforto  - um porto de chegada acolhedor que  me ajuda a  encarar e ler melhor a realidade ou quem sabe as  realidades que me rodeiam.

Sendo assim , não só os filmes de Bergman como dos demais cineastas que lidam com temáticas densas, existencialismo, dramas pessoais  etc; podem nos conduzir nesse processo. Mas é claro que cabe a cada espectador  optar em encarar o cinema como apenas uma diversão, não que isso seja ruim, mas aconselho experimentá-lo   também como um meio de “crescimento pessoal”. 
A Ilha de Bergman  (2004)  foi realizado por  Marie Nyreröd   e  exibido no Festival Internacional de Cinema de São Paulo no ano de sua morte, 2007. Lançado em DVD no Brasil pela Versátil.
 Na minha leitura o ponto de partida do filme é a solidão vivida pelo cineasta que resolveu por escolha própria morar na Ilha de Färö, para ele, nela ele sente-se cercado por outra realidade. A primeira vez que esteve na ilha foi em 1960: “Senti a estranha sensação de ter chegado em casa!”

Mas no transcorrer do filme essa solidão pareceu-me amena  e a história de vida do cineasta – suas lembranças  - seu entusiasmo com o cinema e com a vida a ofuscam, mas percebi que ele a considera  necessária para sua vida.

“Às vezes eu penso  que deveria ligar para alguém, mas depois deixo pra lá. Não há nada mais maravilhoso do que a solidão. ”

Com seus 88 esbanja muita  simpatia e coerência em todas as suas declarações. Desde jovem engajou-se com a causa do cinema,  dirigindo  no total  67 filmes, muitos deles para televisão, além disso,  Ingmar Bergman  escreveu  70 roteiros . Estes, para o cineasta, surgem geralmente quando ele vê uma imagem.  A história de  Gritos e Sussurros (1972), por exemplo, surgiu a partir de uma imagem  de um quarto de castigo com mulheres.

“Tanto em Persona (1966)  como em Gritos e Sussurros a criatividade veio me socorrer em situações difíceis (...) A criatividade de Persona salvou minha vida! Já no outro a criatividade foi confortante e tranquilizante” – afirma ele.  

Em 1944, realiza seu primeiro filme Tortura do Desejo  e em  2005 seu último,  Bergmanova Sonata,  um filme para televisão.

Os lugares de memória são revistados por ele em companhia de Marie Nyeröd, a partir desses espaços  que marcaram momentos  do passado do cineasta, histórias selecionadas por ele vêm  à tona, uma vez que a memória é seletiva e influenciada  diretamente por laços afetivos ou desavenças que não deveríamos, mas trazemos conosco. E acredito que tal aspecto influi nos relatos privilegiados pelo cineasta. Bem humorado  topou a proposta da cineasta de encenar algumas situações que remeteriam às vivenciadas em momentos de seu passado.

Sobre o filme Tortura do Desejo afirma:

“Quando realizei o meu primeiro filme, só gritei e briguei  não tinha nenhuma autoconfiança!”

Para ele,  Sorrisos de uma Noite de  Amor  (1955) foi um divisor de águas para sua carreira, um grande sucesso que rendeu bastante dinheiro, exibido em Cannes.  A partir de então segundo ele: “(...) Tive a oportunidade de filmar como queria!” Levando consigo sempre que possível sua câmera de  16 mm.
No decorrer do documentário  trechos de seus filmes são  exibidos de forma aleatória. E compartilha  com a cineasta eventos ocorridos no momento das filmagens de alguns  deles.

Bergman no decorrer de sua vida casou-se várias vezes, teve 9  filhos e sempre prezou pela sua juventude:  afirma que costumava  dizer que saiu da puberdade apenas aos 58 anos. Mesmo mantendo  esse espírito jovial que sempre esteve presente na forma como Bergman lidava com as situações de sua vida,  o assunto morte aparece no documentário. Reconhece que ela é um  fantasma que ora o ronda.  Em um determinado momento de sua vida fez uma lista com seus demônios, o pior dentre eles  é o desastre (quando as coisas não saem conforme o planejado)  e o medo, afirma sentir medo de tudo. Confessa que tem um gênio terrível e que é rancoroso: “Tenho uma memória de elefante!” O nada também o apavora, quando  sua criatividade e imaginação o abandonam: “(...) as coisas se tornam totalmente silenciosas e vazias.”

Recomendo demais  esse documentário para os que já são conhecedores  da obra de Ingmar Bergman ou para aqueles que assim como eu ainda estão conhecendo aos poucos.  Pois uma coisa é obvia as experiências vivenciadas pelos artistas influem diretamente na sua produção artística. Sendo assim, talvez possamos utilizar adjetivos mais apropriados  para caracterizar , assim como,  alguns termos com a ambiciosa pretensão de  “explicar”  seus filmes.

Cleonice Elias 
 
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