12 Anos de Escravidão, 2013.


Steve McQueen tem apenas três longa-metragens no currículo e, desde o seu primeiro (Fome, 2008), vem ganhando destaque no mundo da Sétima Arte. E o faz por merecer: Fome e Shame (2011) são dois grandes filmes que são capazes de fazer - no melhor estilo -  aquilo que o cinema é suposto a entregar ao espectador: emoção. Uma das marcas registradas do trabalho de McQueen é a dupla com o ator Michael Fassbender (que, apesar de dispensar elogios a sua atuação, é simplesmente impossível não fazê-lo): desde Fome eles trabalham juntos e isso, creio, seja aquilo que dê um tempero especial aos filmes do McQueen. Quando diretores e atores se dão bem, dificilmente falta algo nas telas - é só ver o caso de Scorsese e DiCaprio, por exemplo (ou, em menor grau - bem menor, aliás - Tim Burton e Johnny Depp). O mais recente filme de Steve McQueen, 12 Anos de Escravidão, para mim, é o melhor entre seus trabalhos. Mais: é um marco na história do cinema estadunidense, um filme que há muito tempo deveria ter sido feito mas que só agora chega ao circuito comercial de todo o mundo.

Há vários fatores que "assustam" quem assiste à 12 Anos de Escravidão. O primeiro é o que surge na tela bem no começo: o filme é baseado em uma história real; isso só faz aumentar o nó na garganta e o enjoo no estômago que estão presentes durante toda a projeção. O último é o que nos diz, antes dos créditos finais, que tudo o que assistimos foi baseado no livro - que dá título ao filme - escrito pelo próprio Solomon Northup: personagem principal da obra vivido pela atuação embasbacante de Chiwetel Ejiofor. Entre o primeiro e o último fatores, estão uma série de pequenos momentos que sempre nos fazem perguntar: "Por que? Por que seres humanos são assim?". E esse é o maior mérito de 12 Anos de Escravidão, jogar na plateia a natureza, muitas vezes, horrenda e nojenta dos seres humanos.

12 Anos de Escravidão tem uma história relativamente simples, mas que, infelizmente, parece ter sido muito comum nos EUA momentos antes da Guerra Civil. Acompanhamos a trajetória de Solomon Northup, homem negro livre, casado e pai de um casal de crianças, que certo dia é enganado por dois brancos com a promessa de tocar violino em um circo na Capital e acaba sendo vendido como escravo (esse tipo de situação era chamada de "sequestro" na época). Enviado para trabalhar nas fazendas do sul, Solomon enfrenta a desumana realidade de centenas de milhares de escravos negros, sofrendo todos os abusos físicos e psíquicos oriundos da sociedade escravocrata dominada pelos homens brancos.

Narrado de forma não linear, 12 Anos de Escravidão é permeado por momentos marcantes e que nos fazem refletir sobre a história dos EUA (e talvez por isso o filme não tenha ido bem de bilheteria por lá) e também do Brasil. É absolutamente impossível ficar apático à primeira surra/espancamento que Solomon recebe no cativeiro logo após ter sido traído e vendido. Creio que a importância das cenas de violência estabelecidas por McQueen é o que tornam o filme tão bom: não são cenas gratuitas, estão lá como força-motriz da narrativa. Do mesmo modo, não são apelativas, exageradas em sangue: McQueen opta por mostrar a face, a dor dos castigados ao invés de sangue jorrando na tela. Decisão brilhante! Isso cria, ainda mais, empatia do espectador pelos escravos. O chicoteamento quase no final do filme, realizado pelo Mestre Edwin Epps (Fassbender) contra a escrava é uma das cenas mais marcantes que já vi, e se torna ainda pior e mais dolorosa quando Solomon é obrigado por seu senhor a chicotear sua companheira.

Outro ponto que achei bastante interessante no filme é o fato de haver diferenciações entre a sociedade negra estadunidense: os homens e mulheres negros nascidos livros chamam os escravos de "negros" (niggers), em tom pejorativo, e não parecem se importar em, eles mesmos, terem escravos. Acho que Steve McQueen foi extremamente feliz na escolha de apontar esses preconceitos (ou contextos) durante o filme: a obra mostra os dois lados da sociedade escravocrata estadunidense com imparcialidade mas que, obviamente, condena o tratamento dos homens brancos dados aos homens negros (e que qualquer pessoa com o mínimo de inteligência vai concordar que a escravidão é algo execrável). E toda a tristeza que permeia o filme e o espectador se torna em revolta ao final da projeção, quando os letreiros dizem o que ocorreu a Solomon e o julgamento de seus sequestradores.

O que mais assusta, contudo, é que fica a questão em nossas cabeças após vermos o filme: "Será que isso realmente mudou?". Sabemos que os EUA é uma sociedade extremamente racista. E sabemos que o Brasil também o é (por mais que discursos vazios tendam omitir esse fato). São duas nações que têm sangue de escravos em suas mãos e que parecem não querer lavá-las tão cedo. Por isso, 12 Anos de Escravidão é um filme importantíssimo.

É necessário assisti-lo. Refletir. Se possível, passá-lo a alunos em sala de aula. Usá-lo como ponto de partida para estudos da sociedade escravocrata do Dezenove. E, o mais importante, jamais deixar cair no comodismo e no senso geral o fato de que, sim, fomos modelados tendo por base o trabalho escravo - e que isso é uma mácula com a qual devemos, sempre, conviver e analisar.

Mérito de McQueen. Sorte a nossa de podermos assistir a um filme assim.


Alex Martire





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