Impressões Recentes

A Teoria de Tudo, 2014.



"Sou cosmólogo" - diz Stephen Hawking.
"O que é isso?" - questiona Jane.
"Um tipo de religião para ateus inteligentes" - responde Hawking, com um sorriso debochado.

Esse era o começo do relacionamento entre Stephen e Jane, e essa é a força motriz desta estupenda obra do não tão conhecido diretor James Marsh. Mais acostumado com documentários, o britânico Marsh toma o rumo correto ao não tentar explicar demasiadamente as teorias de Hawking. Se quer aprender sobre física, é melhor procurar em outro lugar: A Teoria de Tudo é sobre tudo, menos física. E justamente nesse "tudo" é que está a magia deste - para mim - perfeito filme.

2014 é um ano particularmente bom para o meu gosto: duas cinebiografias de dois dos cientistas que mais admiro no mundo chegam ao cinema - ainda não assisti ao Jogo da Imitação (2014), com Benedict Cumberbatch representando Alan Turing mas, se for tão bom quanto ao filme de Hawking (e deve ser, haja vista a indicação de ambos do Globo de Ouro 2015), tenho certeza de que irei adorar. Sobre Stephen Hawking, devo admitir que não li muita coisa e, do que li, só entendi inteiramente os seus livros infantis! Mas isso não o faz menos fascinante para mim. Embora eu discorde de alguns pontos de vista dele sobre a relação homem-máquina e o futuro da humanidade, é inegável sua contribuição ao mundo, colocando-o ao lado de nomes como Einstein e Galileu. Temos sorte em sermos contemporâneos a Stephen Hawking e, mais sorte ainda, em podermos assistir a um filme que o retrata como humano, não como um gênio, um ser superior.

A Teoria de Tudo é, de longe, o filme mais dolorido que vi esse ano. Ele machuca, e não se importa em machucar o espectador. A dor é do tipo pior possível, pois o que vemos em tela é um ser humano brilhante sendo atacado por uma doença neural que não tem misericórdia. É extremamente difícil ver Hawking lutando para sobreviver. E é muito prazeroso perceber que ele teve o apoio de uma grande mulher como Jane. O filme todo é cercado no relacionamento deles, suas alegrias e, principalmente, suas dores. A obra começa com Stephen Hawking conhecendo a garota num bar em Cambridge e logo a fascinando com suas palavras  bonitas e pensamentos afiados. Stephen está terminando seu doutorado quando recebe a notícia de que está doente, com a Síndrome de Lou Gehrig (ou Esclerose Lateral Amiotrófica), um problema neural que afeta seus movimentos, fala, respiração e que, de acordo com o médico, só lhe daria mais 2 anos de vida. Mesmo já demonstrando claros sintomas da doença, Stephen consegue seu doutorado - apesar de duras críticas - e esse momento é breve, mas lindíssimo no filme: uma mistura de pranto guardado com felicidade tímida. Enfim, já com o doutorado em mãos, o filme se distancia um pouco do ambiente acadêmico para focar a difícil vida do casal Hawking diante do avanço da síndrome. É quando o filme, de fato, agarra o espectador e não o solta mais até o seu final.

O papel de Jane Hawking (interpretado pela bela Felicity Jones) talvez seja ainda mais importante do que o do próprio Hawking nesse filme. Tal como em Uma Mente Brilhante (2001), cabe à mulher ser o lado forte da família (enfim, creio que sempre é assim). Só vemos Jane derramar, de fato, lágrimas, quase no fim da obra. Ela passa por momentos dificílimos e segura o choro: a cena em que ela e Hawking jogam croqué é uma das mais marcantes, transparecendo o misto de dor e raiva que Jane sente ao ver o homem que ama cambaleando pelo gramado, já afetado pela doença. Mais para frente, ela desabafa dizendo que está difícil suportar tudo, mas, mesmo assim, permanece ao lado de Hawking. Ele, por sua vez, ganhou um interprete magnífico na figura do excepcional Eddie Redmayne (que atuou em Os Miseráveis, 2012). Dizem que para concorrer aos prêmios mais importantes do cinema, basta interpretar alguém que sofre com alguma doença. Não sei se isso é verdade, mas acho merecida a indicação de Redmayne ao Globo de Ouro (e provavelmente ao Oscar 2015, também): deve ter sido hercúlea a tarefa em se transformar em Stephen Hawking e, ao mesmo tempo, convencer a quem assiste). Resumindo tudo: a dupla de atores é maravilhosa e o filme funciona tão bem justamente por causa deles.

Do ponto de vista técnico, A Teoria de Tudo tem cara de filme "oscarizável". Sua fotografia é discreta e as paisagens e casas da Inglaterra ajudam a pintar o quadro. A trilha sonora do islandês Johann Johansson é de uma sutileza incrível, não induzindo o espectador grosseiramente. A edição não deixa o ritmo cair em nenhum momento, e as duas horas de filme passam voando.

James Marsh conseguiu fazer, pra mim, o melhor filme de 2014. Não me recordo de nenhum filme ter me impactado tanto durante esses 12 meses. E talvez o maior mérito de um filme é fazer com que o espectador queira saber mais sobre ele quando os créditos sobem na tela. É o meu caso: vou reler o que tenho do Hawking, pois me deu uma vontade tremenda de poder entender melhor a mente desse homem que tem uma vida tão fascinante!

Alex Martire



O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos, 2014.


Lá e de volta outra vez...

Eu adoraria escrever que uma tremenda surpresa aconteceu e, milagrosamente, o terceiro filme sobre Bilbo Bolseiro foi algo espetacular que me fez rever minha vida e morder a língua por ter malhado os filmes anteriores. A vida nem sempre é justa e surpresas boas nem sempre acontecem...

O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos consegue fechar a trilogia com chave de papelão: Peter Jackson, o megalomaníaco capitalista, tortura mais uma vez seus espectadores, tratando-os como estúpidos. O que vemos em tela é um desfile de inutilidades. Um emaranhado de gritos, espadadas e milhares de personagens em CG pululando na tela. É tudo tão execrável que fica difícil lembrar de tudo (e se tornaria uma impressão muito longa se assim o fosse). Vou apontar apenas aquilo que me incomodou mais (o que incomodou menos deixarei de fora). Só há um meio possível de expressar a ruindade da obra, e ela deve ocorrer por meio de "porquês". Vamos lá.

- Por que, ó Peter Jackson, você estendeu tanto o segundo filme?! Era plenamente possível encerrar toda a pataquada que você criou em apenas dois filmes. Você fez um verdadeiro coito interrompido com a questão do dragão Smaug no segundo filme para, agora, resolver tudo em 10 minutos.

- Por que, ó Senhor dos Filmes Longos, você pensou que duas horas de uma batalha que dura poucas páginas seria tão interessante para a plateia? Necessitava tanto torrar dinheiro com computação gráfica?

- Por que, ó Magnânimo Adorador de Tolkien, você simplesmente distorceu aquilo que é principal no livro: experimentarmos a Terra-Média através dos olhos de Bilbo Bolseiro? Somente no primeiro filme é que Bilbo tem destaque. Nesse último, em especial, ele nem precisaria aparecer. Foi um desperdício incrível da competente atuação do Martin Freeman (como Bilbo, ele se saiu um excelente Dr. Watson!).

- Por que, ó Mestre das Adaptações, você corrompeu uma das obras literárias mais belas, puras e graciosas já escritas em algo épico, falhando, também, miseravelmente em criar no espectador qualquer vontade de chegar em casa e assistir ao Senhor dos Anéis? O tom sério da trilogia d'O Hobbit é de embrulhar o estômago.

Outro ponto a ser destacado é a necessidade desnecessária de transformar o rosto de Dain Pé-de-Ferro em algo feito no computador. Por quê? Simplesmente, por quê?

Se há algo de bom neste novo filme é a sua duração: as quase 3 horas dos antecessores, agora se tornaram 2 horas e uns 10 minutos de tormento. O filme não tem história alguma, ele todo é uma sucessão de batalhas e decapitações (algo que praticamente, não ocorria nos filmes 1 e 2). Cansativo. Entediante.

Espero que o deslize imenso de Peter Jackson ao levar para as telonas a história de Bilbo Bolseiro não se repita em seus próximos filmes. Espero, sinceramente, que mais nenhum estúdio dê carta branca para Peter Jackson trabalhar com filmes que necessitem (ou que ele force) de continuações.

De tudo isso, uma questão paira no ar: " E se os filmes tivessem sido dirigidos por Guillermo Del Toro?" Pois é, nunca saberemos.

E eu achando que o filme novo das Tartarugas Ninja era a pior coisa que havia visto esse ano...



Alex Martire



Esse vídeo seria bem melhor:



Ou esse!




Garota Exemplar, 2014.


Creio já ter escrito em algum lugar por aqui que David Fincher é um dos meus diretores preferidos. Ele tem um certo dom para escolher roteiros complexos e destrinchá-los de modo ímpar. Para mim, o único deslize de Fincher até hoje foi o insosso "Millenium" (2011), que simplesmente parece fugir do tom de suas obras anteriores. Não que o filme tenha sido um desastre completo, mas, tratando-se de David Fincher, eu não espero nada mais que a excelência. Felizmente, ela está de volta!

Garota Exemplar é "Fincheriano" do início ao fim. Temos tudo o que consagrou o diretor: violência, reviravoltas, diálogos afiadíssimos... é um filme de "encher os olhos". E como toda obra boa de Fincher, é extremamente difícil escrever sobre ela sem entregar a trama. Vou tentar resumir, então, em apenas poucas palavras aquilo que vemos em tela durante a projeção: Nick Dunne ( o sem-conserto Ben Affleck) tem um casamento de 5 anos conturbado com Amy Dunne (a loira-porcelana Rosamund Pike); regado a desejos não concretizados e indícios de agressões verbais e físicas, a história do casal muda drasticamente quando, nas bodas de casamento, Amy misteriosamente desaparece de casa. A vida de Nick passa por transformações profundas quando passa a ser investigado pela polícia e julgado pela mídia e pela sociedade sobre o sumiço de Amy.

Falar mais do que isso estragaria o prazer em se assistir ao filme. E que prazer! É simplesmente delicioso ver um dos mestres do suspense novamente nos entregando uma obra praticamente impecável como Garota Exemplar. Se os filmes anteriores de Fincher são bastante psicológicos,  este explora um lado que não aparece tanto nos demais: a doença sexual. O filme é sobre sexo. O filme é sobre possessão. O filme é um tanto doentio também no modo como nos faz querer saber como aquilo tudo acabará. Fincher tem tanta segurança que joga a reviravolta do filme praticamente em sua metade e muda a história completamente, dando-nos uma outra visão de tudo. É um prazer quase sexual sentir que o clímax só virá mais tarde. O modo como monta a estrutura da obra colabora incrivelmente para isso: Fincher mistura trechos do diário de Amy com a cronologia de seu desaparecimento, nos colocando ora numa espiral, ora numa linearidade.

Antes de assistir ao filme eu havia lido que as interpretações de Affleck e Pike eram dignas de prêmios. Ok, não é para tanto. E a culpa, novamente, é a de Ben Affleck. Já abri mão dele, não tem mais salvação... Neste filme ele está um pouco menos pior, mas continua sendo aquele sujeito de uma face só. Felizmente, suas falhas são compensadas pelos atores coadjuvantes (como sua irmã e a investigadora policial) e, principalmente, pela encantadora Rosamund Pike, que consegue transmitir com veracidade os problemas que o amor pode gerar. Quase sempre coadjuvante na telona, acredito que Pike irá, daqui em diante, conseguir mais papéis de destaque, uma vez que provou, de vez, ser capaz de lidar com personagens extremamente complexos.

David Fincher dirigiu mais uma obra-prima. Garota Exemplar irá deliciar quem gostou de "Zodíaco" (2007), "Seven" (1995) ou "Clube da Luta" (1999). Certamente um dos melhores filmes que assisti esse ano e um dos principais na já excelente carreira de Fincher. Mais do que obrigatório.

Alex Martire


 
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