Valente, 2012.



Pessoalmente, eu estava muito ansioso para ver essa nova animação vinda do trabalho conjunto dos estúdios Disney e Pixar. No Ocidente, esses estúdios ainda dominam a arte da animação, mesmo com a Dreamworks fazendo um trabalho competente e tentando alcançar um lugar entre as duas. No Oriente, por sua vez, temos o fantástico Studio Ghibli no Japão: responsável por praticamente todas as animações mais famosas orientais que chegam até aqui, e conta com um nome de peso: Hayao Miyazaki - homem de um trabalho impecável. A Disney e a Pixar atualmente não contam com nomes tão conhecidos entre seus diretores, nomes que se tornam quase sinônimos de suas empresas (como Miyazaki), e talvez por isso mesmo as obras da Pixar (que produziu Valente) sejam bastante "idênticas" quando observamos aspectos gerais como design de personagens e desenvolvimento de histórias. Ghibli leva vantagem nesse aspecto: sabemos que uma obra do Miyazaki é do Miyazaki e não de Isao Takahata (Meus Vizinhos Os Yamadas, 1998), é um trabalho mais autoral. Porém, isso não tira o mérito da Disney/Pixar: optaram por padronizar suas animações em nome de um estúdio. Mas mantiveram a qualidade, é isso o que importa.

Valente é dirigido por Mark Andrews e Brenda Chapman (a primeira mulher a dirigir uma animação para um estúdio grande com O Príncipe do Egito, de 1998). Desde as primeiras imagens e vídeos, deu a impressão de que seria algo parecido com Coração Valente (sem a violência, claro): gaitas-de-fole, florestas, kilts e ela... a linda princesa Merida: uma das personagens mais bonitas já criadas em animação, com olhos azuis e cabelos de fogo. Mas a história, embora passada na Escócia (que em nenhum momento tem o nome citado), não está focada em batalhas medievais: é, essencialmente, um drama familiar. A trama não é complicada: a princesa Merida, desde criança, tem o espírito aventureiro, gosta de arco e flecha e de correr na floresta, ela não se adapta à educação feminina que sua mãe Elinor tenta lhe impor -  está mais ligada ao pai, o rei Fergus, que faz vista grossa para o jeito "moleque" da filha; os anos passam, nascem os irmãos trigêmeos e chega a fatídica idade de se casar: sua mãe convida três clãs vizinhos para um torneio onde os primogênitos disputariam a mão de Merida - a menina não aceita, discute com a rainha e foge, indo encontrar uma bruxa no meio da floresta que iria, literalmente, mudar a mentalidade de sua mãe. Contar mais do que isso seria estragar o prazer dos que ainda não assistiram.

Como disse, é uma história centrada na família. Não há aventuras pelo território, com grandes descobertas e perigos: Valente é uma animação mais ousada ao abdicar dessa facilidade (pois, convenhamos, seria muito mais fácil colocar a princesa em meia dúzia de enrascadas e fazê-la se perder na floresta): toda a história se passa dentro do castelo e nos arredores, nada muito distante ou solitário. Obviamente, é uma história de amor, como quase todas as animações da Disney e Pixar, mas de um amor entre filha e mãe, mostrando que a principal mudança que pode ocorrer na vida das pessoas é a interna, não aquela que carregamos por fora. Em alguns aspectos, Valente é quase uma animação feminista: Merida é criada a vida toda para se portar como uma mulher que um dia será rainha, e que deve obedecer aos caprichos dos pais para se casar com o melhor pretendente possível, não importando se há amor ou não - contudo, a garota se revolta com os padrões de educação e com seu "papel de mulher" submissa, tentando de todas as formas mudar a tradição baseada nos homens, os ursos ferozes.

Do ponto de vista técnico, Valente é inebriante. Nunca vi uma paisagem natural tão bem caracterizada em animação como a desse filme. Não tenho ideia de qual software usaram para fazê-la (talvez o Vue?), mas o resultado ficou magnífico, juntamente com toda a ambientação e sonorização da floresta e riachos. O sistema de física em animações tem melhorado significativamente com o passar dos anos e fica praticamente real ver um urso de não sei quantas toneladas se movendo e caminhando em duas pernas, sem contar o show à parte que são os cabelos ruivos de Merida: reparem como são naturais - resultado maravilhoso.

De "problemas" em Valente, só achei um, que está ligado ao fato de eu ser um historiador e, como tal, ser extremamente chato com anacronismos: o filme é um samba do crioulo doido no aspecto histórico/cronológico. Estamos numa Escócia culturalmente céltica, mas que tem castelos da Baixa Idade Média (construídos com pedras), homens vestindo kilts (que surgiram apenas no século XVI) e, em um determinado momento, os clãs dizem que lutaram contra romanos e vikings: ataque cardíaco iminente! Há quase 10 séculos misturados em Valente, porém,  é claro que a intenção não era retratar a Escócia real, mas usar um reino como base para uma história de relacionamento entre mãe e filha. Nisso, Valente é impecável, convence e diverte. Certamente estará indicada ao Oscar 2013 e tem tudo para ganhar a estatueta: será merecido se levar!

(Como sempre, há um curta da Pixar antes do filme: é o La Luna, que concorreu ao Oscar esse ano; muito poético e delicado, mostra uma maneira nova de se observar as fases da lua: lindo)

Alex Martire



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