Impressões Recentes

Whiplash: Em Busca da Perfeição, 2014.



Vira e mexe, a Academia resolve botar um filme "menor" para concorrer ao prêmio de Melhor Filme. Quando isso acontece, geralmente são filmes mais leves, que fisgam o espectador de algum modo, mas que não necessariamente têm cacife para levar a estatueta. Foi assim com Pequena Miss Sunshine (em 2007), Juno (em 2008) e Os Descendentes (2012). Esses filmes acabam ingressando na lista para dar mais "corpo" ao prêmio, pois mesmo fazendo sucesso em festivais de nome como o Sundance, acabam por perder para os filões mais "oscarizáveis" que a Academia tanto ama. Esse é o caso de Whiplash.

Dirigido pelo jovem (afinal, nasceu em 1985) Damien Chazelle, Whiplash é um orgasmo musical. A trama se passa no Conservatório Musical Schaffer em Nova Iorque, onde o regente Terence Fletcher (interpretado pelo sempre competente J.K. Simmons) trata os alunos do pior modo possível, ofendendo-os, agredindo-os fisicamente, tudo em nome de "ir além do limite". Fletcher é um professor (será?) irracional, que não tem escrúpulos em mudar os musicistas de sua banda de jazz como bem entende. Dentre os que sonham em fazer parte da banda, está Andrew Neyman (papel interpretado por Miles Teller, o futuro Sr. Fantástico no novo filme do Quarteto), um rapaz que anseia ser um grande baterista de jazz, mas que luta contra o preconceito de sua própria família. A vida de Andrew é dedicar horas e horas ao estudo de seu instrumento a fim de assegurar seu lugar na banda regida por Fletcher, mesmo que isso custe, literalmente, o seu sangue.

A história é simples, sim. É mais um filme em que acompanhamos a trajetória de um sonhador. E, pessoalmente, adoro filmes assim, "biográficos". Embora Andrew Neyman seja o protagonista principal, quem leva o filme pelas mãos é o ótimo J.K. Simmons, que recebeu o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante merecidamente. Seu papel é muito delicado, interpretando um regente que é um verdadeiro cretino (pra não usar palavrões aqui no texto) e que não muda a sua natureza ao longo da projeção. No meu ponto de vista, não concordo com "professores" que se orgulham em ofender alunos, maltratando-os, chamando-os de burros ou incompetentes. Gente assim, pra mim, não serve para ensinar e jamais deveria ter o título de professor. Porém, dentro do contexto do filme, a figura de Fletcher serve para incentivar Neyman, fazendo-o descobrir que pode ir muito além de seus limites. E o desejo de ser o melhor acaba também atrapalhando sua vida pessoal, tornando Neyman um sujeito arrogante e solitário (seria essa uma metáfora romântica sobre o musicista de jazz?).

Contudo, o grande tesão do filme ainda é a sua trilha sonora. Somos embebidos em jazz. São minutos e mais minutos em que a música não para e nós, como espectadores, não desejamos que ela pare. Dá vontade de pegar alguma bebida e acompanhar a apresentação da banda de Fletcher. E tudo se torna ainda mais legal quando sabemos que o ator Miles Teller realmente se empenhou em tocar a bateria no filme. Poucos filmes me dão vontade de escutar sua trilha sonora ao final, mas no caso de Whiplash, estou redigindo essa impressão enquanto a ouço: é simplesmente magnífica!

Fugindo de um final politicamente correto, Whiplash dá uma pequena reviravolta em seu terceiro ato, o que nos traz um sorriso ao rosto, pois são detalhes assim que engrandecem uma obra. Com uma edição praticamente perfeita (afinal, somar vários takes de bateria não é para qualquer um), a obra de Damien Chazelle nos faz ficarmos mais atentos ao seu nome. Que venham ainda muitos filmes excelentes como esse, afinal, não é todo dia em que assistimos a um concerto de jazz na telona.

Alex Martire


Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), 2014.


Se você fizer uma rápida pesquisa na internet sobre esse filme, verá que as opiniões e críticas estão bastante divididas: muitos chamam de "obra-prima", enquanto outros reclamam da monotonia e falta de propósito da obra. A verdade é que Birdman é um filme que parece ter mais para mostrar do que a primeira assistida revela. O problema é: quantos terão vontade (ou coragem) de se aventurar mais uma vez?

Dirigido pelo espanhol Alejandro González Iñárritu - que já vez belos filmes como 21 Gramas (2003), Babel (2006) e Biutiful (2010) -, Birdman não poupa ninguém como alvo para jogar seus tijolos. Citando nomes como Martin Scorsese, George Clooney e (de modo muito engraçado) Jeremy Renner, o ótimo roteiro original vai esquartejando a vida presente no teatro e no Cinema, com a louca obsessão por sucesso e reconhecimento. A trama é tão claustrofóbica quanto o cenário - que basicamente se resume ao teatro de New York: no passado, Riggan Thomson (Michael Keaton) atuou em 3 filmes de super-herói que fizeram bilhões de dólares em bilheteria, os filmes da série "Bridman". Quase vinte anos depois do estrondoso sucesso em sua carreira, Riggan está preso ao sonho de que a peça de teatro a qual dirige chame a atenção do público e crítica. Ao mesmo tempo, ele é obrigado a encarar a conturbada relação com sua filha Sam (Emma 'Olho-Grande' Stone) e conviver com um problema talvez até mais sério: uma suposta esquizofrenia, pois Riggan escuta a todo momento a voz de seu personagem Birdman martelando sua cabeça, tentando-o convencer a voltar a atuar em um possível "Birdman 4". A situação, que já não é das melhores, fica um pouco pior com a chegada do ator Mike Shiner(Edward Norton), um sujeito arrogante que vive dizendo a Riggan que ele não sabe atuar, que é um ator de filmes de super-heróis.

Esse é o contexto das quase 2 horas de filme. O roteiro é inteligentíssimo, distribuindo seus tapas sutilmente ao longo da projeção. A questão do passado de Riggan acaba por se misturar ao passado do próprio Michael Keaton: ele viveu o Batman em 1989 e 1992, ficando marcado por esses dois filmes, além de seus papéis em comédias, destacando-se, talvez, como o Bettlejuice no filme homônimo de 1988. Geralmente atores de comédias não são muito bem vistos no quesito interpretação - poucos são os que receberam grandes prêmios por atuarem na diversão da platéia. Eu mesmo, confesso, tenho um pouco de preconceito com atores assim, e sempre vi Michael Keaton como um ator do escalão menor. O filme usa isso sabiamente, mostrando a angústia de Riggan e seu desejo frenético de buscar o reconhecimento dos outros ao invés de o seu próprio (como sua filha lhe diz em uma das cenas mais marcantes do filme). Misturados a essa obsessão, temos os devaneios de Riggan, que incorpora a figura do Birdman pelas ruas de NY.

Acredito que Birdman seja um filme de redenção, no melhor estilo Aronofsky de ser. Acompanhamos Riggan pelas 2 horas sem praticamente não desgrudarmos dele. E esse é um ponto que chama demais a atenção na obra: ela é editada de modo a parecer que não há cortes. Abusando (no melhor sentido possível) de sequências longas, que dão ao espectador tempo de respirar e observar a fotografia, Iñárritu nos deixa íntimos de Riggan. Se no começo tudo causa um estranhamento, lá pela metade do filme já somos amigões do diretor de teatro. Acredito que esse é um mérito incrível de Iñárritu, pois ele fez o Arca Russa (2002) de Hollywood agora. E as pitadas da trilha sonora toda baseada em uma bateria de jazz só temperam ainda mais o sabor de Birdman

Infelizmente, em uma determinada cena do filme o Birdman diz a Riggan que as pessoas não querem ver filmes filosóficos ou que as façam pensar: elas querem explosões, morte, sangue... Se a vida de Riggan é uma farsa teatral, esse pensamento de Birdman é o mais dolorido de todos, pois é o mais verdadeiro...


Alex Martire





O Jogo da Imitação, 2014.



Alguns filmes simplesmente não fazem jus à grandiosidade das pessoas relatadas. 

Como escrevi na impressão de A Teoria de Tudo (2014), eu aguardava demais a cinebiografia de Alan Turing. A vida de Turing foi fascinante: ele é o pai da computação moderna e seu teste só foi (será mesmo?) resolvido recentemente (embora alguns ainda digam que não alcançamos o resultado desejado para o experimento). Turing foi um dos primeiros matemáticos a afirmar que as máquinas podiam pensar, mesmo que na época elas pudessem pensar "artificialmente" e não "organicamente", como os seres humanos, por exemplo. Turing é referência absoluta na área de Exatas e qualquer pessoa que já usou um computador na vida deveria - penso eu - ao menos saber que esse matemático inglês existiu. Em outras palavras, Turing foi muitas coisas, foi um "monstro" da Ciência e não escondo de ninguém o fascínio e respeito que tenho por sua figura e trabalho. Infelizmente, transformaram a vida de Alan Turing em algo raso como um pires.

Acredito que o problema não tenha sido na direção. O norueguês Morten Tyldum faz um filme redondinho em O Jogo da Imitação, e já provou ter competência quando dirigiu o excelente Headhunters (2011). Porém, ao adaptar o livro escrito por Andrew Hodges (que também colaborou no roteiro), tudo aquilo que poderia ser interessante sobre a vida de Turing se esvai com um contexto da Segunda Guerra Mundial que poderia passar rapidamente. A trama basicamente é centrada na construção da máquina (computador) de Turing, usada para descifrar o código nazista chamado Enigma. Acompanhamos as brigas de Turing com o alto escalão do exército para conseguir verbas ao mesmo tempo em que somos apresentados a sua arrogância e sua dificuldade em se relacionar com os demais colegas criptógrafos ingleses que trabalhavam para as Forças Armadas. É isso. Pura e simplesmente isso.

O filme não é ruim. O ritmo é muito bom e durante as quase duas horas de projeção somos fisgados. Talvez a maioria das pessoas que não conhecem um pouco a vida de Alan Turing realmente fiquem satisfeitas com a obra. Mas, para quem tem um pouco de conhecimento sobre esse cientista, é simplesmente frustrante que o filme tenha ficado apenas preso à construção de Christopher (nome dado ao computador). Acredito que o caminho deveria ser o mesmo seguido por A Teoria de Tudo: focar a vida do biografado, não seu trabalho. Ou que focassem o seu trabalho e mostrassem o mínimo interesse em apontar os caminhos técnicos de Turing para construir o computador. Assistindo ao filme, parece simplesmente que algo maior ilumina Alan Turing e ele é um gênio. Não existem gênios no mundo. Sinto muito se isso decepciona as pessoas mas a verdade é que apenas com muito esforço e estudo os grandes cientistas se tornaram grandes: nada sobrenatural aconteceu para que assim o fossem. 

Corta-se as etapas de esforço de Turing e o que sobra no filme é apenas um ser humano que poderia ser trocado por qualquer um em cena. O Jogo da Imitação falha miseravelmente em outro aspecto importantíssimo na vida de Turing: sua homossexualidade. É tudo tão sutil no filme que, se ele mesmo não falasse numa das cenas que era homossexual, não saberíamos. Foi um ato covarde e revoltante terem minado isso no filme. O governo britânico simplesmente obrigou Turing a uma castração química por ele ser homossexual. O governo britânico sentenciou quase 50.000 pessoas por homossexualismo. Isso é uma mancha gigantesca na já vergonhosa vida do governo monárquico britânico mas ficou pior: há poucos anos a digníssima Rainha ofereceu perdão a Alan Turing. Entendam bem: o governo britânico o obrigou a tomar injeções de hormônicos; o governo o castrou quimicamente; o governo foi responsável por seu suicídio em 1954; e o governo o perdoou, não o contrário! Acredito que se o enfoque fosse diferente, o filme poderia ser um tapa na cara da Rainha-fantoche inglesa, mas não... Colocando panos quentes sobre um assunto tão importante, que acabou por nos privar da mente brilhante de Turing, O Jogo da Imitação se tornou um filme qualquer. Bem realizado, mas covarde e inútil.

A interpretação de Benedict Cumberbatch, pra variar, é de tirar o chapéu. Ele é o único que honra a memória de Turing nesse filme. 

Uma pena.

Alex Martire


 
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