O Jogo da Imitação, 2014.



Alguns filmes simplesmente não fazem jus à grandiosidade das pessoas relatadas. 

Como escrevi na impressão de A Teoria de Tudo (2014), eu aguardava demais a cinebiografia de Alan Turing. A vida de Turing foi fascinante: ele é o pai da computação moderna e seu teste só foi (será mesmo?) resolvido recentemente (embora alguns ainda digam que não alcançamos o resultado desejado para o experimento). Turing foi um dos primeiros matemáticos a afirmar que as máquinas podiam pensar, mesmo que na época elas pudessem pensar "artificialmente" e não "organicamente", como os seres humanos, por exemplo. Turing é referência absoluta na área de Exatas e qualquer pessoa que já usou um computador na vida deveria - penso eu - ao menos saber que esse matemático inglês existiu. Em outras palavras, Turing foi muitas coisas, foi um "monstro" da Ciência e não escondo de ninguém o fascínio e respeito que tenho por sua figura e trabalho. Infelizmente, transformaram a vida de Alan Turing em algo raso como um pires.

Acredito que o problema não tenha sido na direção. O norueguês Morten Tyldum faz um filme redondinho em O Jogo da Imitação, e já provou ter competência quando dirigiu o excelente Headhunters (2011). Porém, ao adaptar o livro escrito por Andrew Hodges (que também colaborou no roteiro), tudo aquilo que poderia ser interessante sobre a vida de Turing se esvai com um contexto da Segunda Guerra Mundial que poderia passar rapidamente. A trama basicamente é centrada na construção da máquina (computador) de Turing, usada para descifrar o código nazista chamado Enigma. Acompanhamos as brigas de Turing com o alto escalão do exército para conseguir verbas ao mesmo tempo em que somos apresentados a sua arrogância e sua dificuldade em se relacionar com os demais colegas criptógrafos ingleses que trabalhavam para as Forças Armadas. É isso. Pura e simplesmente isso.

O filme não é ruim. O ritmo é muito bom e durante as quase duas horas de projeção somos fisgados. Talvez a maioria das pessoas que não conhecem um pouco a vida de Alan Turing realmente fiquem satisfeitas com a obra. Mas, para quem tem um pouco de conhecimento sobre esse cientista, é simplesmente frustrante que o filme tenha ficado apenas preso à construção de Christopher (nome dado ao computador). Acredito que o caminho deveria ser o mesmo seguido por A Teoria de Tudo: focar a vida do biografado, não seu trabalho. Ou que focassem o seu trabalho e mostrassem o mínimo interesse em apontar os caminhos técnicos de Turing para construir o computador. Assistindo ao filme, parece simplesmente que algo maior ilumina Alan Turing e ele é um gênio. Não existem gênios no mundo. Sinto muito se isso decepciona as pessoas mas a verdade é que apenas com muito esforço e estudo os grandes cientistas se tornaram grandes: nada sobrenatural aconteceu para que assim o fossem. 

Corta-se as etapas de esforço de Turing e o que sobra no filme é apenas um ser humano que poderia ser trocado por qualquer um em cena. O Jogo da Imitação falha miseravelmente em outro aspecto importantíssimo na vida de Turing: sua homossexualidade. É tudo tão sutil no filme que, se ele mesmo não falasse numa das cenas que era homossexual, não saberíamos. Foi um ato covarde e revoltante terem minado isso no filme. O governo britânico simplesmente obrigou Turing a uma castração química por ele ser homossexual. O governo britânico sentenciou quase 50.000 pessoas por homossexualismo. Isso é uma mancha gigantesca na já vergonhosa vida do governo monárquico britânico mas ficou pior: há poucos anos a digníssima Rainha ofereceu perdão a Alan Turing. Entendam bem: o governo britânico o obrigou a tomar injeções de hormônicos; o governo o castrou quimicamente; o governo foi responsável por seu suicídio em 1954; e o governo o perdoou, não o contrário! Acredito que se o enfoque fosse diferente, o filme poderia ser um tapa na cara da Rainha-fantoche inglesa, mas não... Colocando panos quentes sobre um assunto tão importante, que acabou por nos privar da mente brilhante de Turing, O Jogo da Imitação se tornou um filme qualquer. Bem realizado, mas covarde e inútil.

A interpretação de Benedict Cumberbatch, pra variar, é de tirar o chapéu. Ele é o único que honra a memória de Turing nesse filme. 

Uma pena.

Alex Martire


Share this article :

Postar um comentário

 
Support : Creating Website | Johny Template | Mas Template
Copyright © 2011. CineImpressões - All Rights Reserved
Template Created by Creating Website Published by Mas Template
Proudly powered by Blogger