Crepúsculo dos Deuses, 1950.


"Crepúsculo dos Deuses" já nasceu clássico. Tudo nele tem um peso que poucos filmes conseguiram até hoje. É muito difícil reunir tantos ícones do cinema em um filme só, mas é o que aconteceu com este, que é considerado um dos melhores filmes noir já feitos na História do Cinema. E com todos os méritos possíveis e imagináveis.

O desfile de maravilhas começa por seu diretor, o gênio Billy Wilder. Não posso dizer que vi poucos filmes na vida, embora ainda não tenha visto uma gigantesca parcela daqueles considerados "essenciais", mas a direção de Wilder é algo que me encanta. Você assiste e sabe imediatamente que é uma obra de Billy Wilder, tem a assinatura dele. Ele é um mestre em narrar histórias visualmente. Nascido na Polônia, Wilder dirigiu alguns filmes alemães até que, em 1933, teve de fugir para a França (e depois para os EUA) com a chegada de Hitler ao poder. Perdeu seus pais no holocausto e essa lembrança jamais deixou de influenciar seus filmes: a maioria tem um quê amargo, de desilusão, de melancolia, mesmo em obras mais voltadas para a comédia (como "Sabrina", de 1954, com a deusa Audrey Hepburn). Do mesmo modo, Wilder nunca foi um diretor passivo: ele adorava provocar a plateia tocando em assuntos polêmicos. Por exemplo, em "Inferno nº17" (1953), mostra os soldados alemães completamente parvos, abobalhados, dirigindo um campo de prisioneiros estadunidenses: é uma obra ao mesmo tempo bastante cômica e triste, já que nos coloca pra pensar como podemos rir de algo que, sabemos, foi absolutamente terrível e execrável dentro do percurso humano. E, voltando a "Crepúsculo dos Deuses" (uma tradução brasileira que, embora bonita, se perde frente ao original "Sunset Boulevard"), não foi diferente: aqui Billy Wilder sai distribuindo tijoladas em todo mundo, ninguém presta, ninguém é bom ou mau inteiramente, bem-vindos ao mundo-cão de Hollywood.

"Crepúsculo..." é uma obra extremamente ousada, ainda para os padrões de hoje. Na verdade, acho que atualmente há menos coragem no meio cinematográfico: quase tudo é politicamente correto. Não foi o caso desse filme. Pra ser sincero, não sei como a Paramount o distribuiu: a obra é uma crítica ao cinema hollywoodiano em geral, mas é contada por meio do exemplo da própria Paramount! Nos extras do DVD há um relato dizendo que o presidente da Paramount odiou o filme, além de ter chocado muitas pessoas na época; porém, mesmo assim, o filme foi distribuído e chegou a ser nomeado a 8 Oscar (incluindo uma nomeação para cada ator e atriz do filme, além de Direção e Melhor Filme), ganhando apenas 3, em quesitos técnicos e roteiro. Quem ganhou o Oscar daquele ano? " A Malvada", dirigido pelo Joseph Mankiewicz. Um absurdo! Não que o ganhador seja um filme ruim - longe disso - mas é uma obra comum. Obviamente, estamos diante de mais um caso de preconceito da Academia: os jurados não aceitaram que um filme criticando a indústria cinematográfica pudesse ser coroado. Contudo, isso não impediu de "Crepúsculo dos Deuses" ser lembrado como um dos melhores filmes já feitos.

Afora Billy Wilder, temos "apenas" os nomes de William Holden, Erich von Stroheim e Gloria Swanson. Sim, Gloria Swanson, a diva do cinema mudo, uma das atrizes mais lindas que já existiram! E a história do filme se divide entre ela e William Holden. Resumidamente: Joe Gillis (Holden)  mora em Hollywood, é um escritor de roteiros que anda falido, seus filmes já não vendem mais e está em crise financeira, tendo, inclusive, de fugir dos sujeitos que vêm cobrar as parcelas atrasadas de seu carro. Numa das fugas, Gillis acaba furando o pneu de seu carro e precisando escondê-lo da vista dos credores. Por ironia do destino, ele estaciona o carro numa garagem que descobriu aberta na Sunset Boulevard nº10086. A mansão, porém, pertence à Norma Desmond (Swanson), antiga atriz da Paramount, grande nome do cinema mudo e que, desde a década de 1930, não atua mais, sofrendo da "maldição" dos filmes falados. Desmond, então, oferece um trabalho a Gillis: escrever um roteiro sobre Salomé para a sua volta triunfal ao cinema, pois seus fãs "clamam" por isso. Quebrado, Gillis aceita, mas vai percebendo que vendera a alma ao Diabo: torna-se refém de Desmond, sendo obrigado a morar em sua mansão, sendo sustentado por ela, enfim, sendo amado doentiamente pela grande atriz. Assustado, Gillis tenta de todos os modos se desvencilhar das garras de Norma mas, no final, acaba sendo sua vítima: literalmente.

O filme começa com uma cena bem interessante e que prende muito a atenção: carros da polícia cortam a Sunset Blvd. em direção à mansão de Norma Desmond. Lá, encontram um cadáver boiando na piscina: é Joe Gillis. Ele finalmente tinha encontrado a "piscina com que tanto sonhara". O recurso utilizado por Wilder é o mesmo que acontece em grande parte dos filmes noir: a narração em off (voice over) - Gillis, o cara morto, é que narra sua vida para a gente (algo similar acontece em "Cassino",1995, por exemplo). Então, desde o começo, sabemos o fim da história, mas não sabemos como ela aconteceu. Wilder vai usar 110 minutos para nos contar. Essa cena da piscina mostra um ângulo original para a época: vemos de "dentro" dela Gillis morto, com os policiais o observando na borda da piscina. Wilder queria essa tomada a qualquer custo, e tiveram de usar a criatividade para conseguir: colocaram um espelho no fundo da piscina e filmaram o reflexo, captando, assim, a frente de Gillis; a água da piscina teve de ser aquecida a 40ºC: temperatura correta para que as distorções da água pudessem enganar o espectador durante a audiência, imaginando que aquilo, na verdade, era uma câmera aquática. Genial. E o filme também termina de modo magnífico: a cena de Norma Desmond, louca, descendo as escadas de sua mansão, com todos os repórteres a filmando e fotografando é única. Hollywood vencera afinal.

Só mais umas poucas palavras para terminar. O filme não funcionaria tão bem se não fosse o elenco escolhido perfeitamente. Cada personagem do filme está ligado à vida pessoal de seus atores. William Holden estava meio em baixa na cena hollywoodiana no final dos anos 40, precisando se reerguer em um grande papel. Erich von Stroheim, que faz o papel do mordomo de Norma, o Max, foi, durante as décadas de 1920 e 1930 um grande diretor de filmes mudos. Inclusive, ele foi o responsável por levar Gloria Swanson ao estrelato: e isso é dito no filme! Max conta a Gillis que descobrira Norma aos 16 anos e que a dirigiu em alguns filmes antes da vinda do cinema falado e o forçado esquecimento de ambos. E a "culpa" de  Swanson e ele terem sido negligenciados, em parte, é mesmo de von Stroheim: seu filme "Queen Kelly" (1929) - com Swanson no elenco - foi destruído pela crítica, que o achou longo e truncado demais. Essa obra de von Stroheim, inclusive, aparece em "Crepúsculo dos Deuses", quando Norma passa um trecho dele para Gillis assistir: é, literalmente, o resgate do passado triste de Gloria Swanson disfarçado de Norma Desmond: brilhante! Swanson, por sua vez, interpreta a si mesma, mas como o nome de Norma: ela foi esquecida pelos produtores e aceitou fazer "Crepúsculo..." como uma nova tentativa na vida (que deu certo). A cena de ela indo até a Paramount pedir emprego ao diretor DeMille (com quem Swanson trabalhara anteriormente) é de cortar o coração por tanta dó que sentimos de sua figura patética. É um dos grandes pontos altos do filme: um entre tantos outros.

"Crepúsculo dos Deuses" pode ser resumido em uma única palavra, muito comum: obrigatório.

Alex Martire




Share this article :

+ comentários + 1 comentários

20 de maio de 2012 às 16:15

taí um filme que eu quero muito!

(tô aqui ensaiando uma resenha pro blog. agora tô menos caótica, só brigando mesmo com a vontade de falar desse, daquele, daquele outro e assim por diante... não esqueci dazobrigação com o cineminha não... :D)

Postar um comentário

 
Support : Creating Website | Johny Template | Mas Template
Copyright © 2011. CineImpressões - All Rights Reserved
Template Created by Creating Website Published by Mas Template
Proudly powered by Blogger