Cosmópolis, 2012.



Certo. Vamos por partes. Pensei muito se eu deveria ou não escrever minha impressão sobre esse filme. E também pensei se eu teria algo importante a dizer sobre ele. A conclusão que cheguei é: sim - como percebeu - , vou escrever sobre ele, mesmo não tendo nada de relevante para falar. Saí do cinema com uma sensação de que o filme é bom, de fato, e que ele, talvez, não seja tão compreendido. Poderia dizer que esse é um filme menor do Cronenberg, que talvez seja extremamente descartável, mas se eu fizesse isso, acho que, daqui uns anos, poderia voltar e escrever "Eu errei". Sabe quando você assiste algo que não entende muito bem, mas que, lá no fundo, sabe que viu algo importante? Essa é a sensação que tenho. O mesmo ocorreu com O espião que sabia demais (2011): tenho certeza de que o filme é bom, é inteligente, mas não entendi muito bem e fiquei meio confuso. Cosmópolis é assim: ele não vai receber muitos elogios agora mas, daqui uns anos, vão reconhecer um toque genial do Cronenberg nessa obra. É um filme totalmente filosófico.

E sendo filosófico, esqueça os petardos maravilhosos que Cronenberg já dirigiu, como Marcas da Violência (2005) e Senhores do Crime (2007). Aqui a violência é verbal. Não uma violência de palavrões ou coisas do tipo: é uma violência inteligente oriunda de diálogos rebuscadíssimos. Por isso que digo que é violento: vai bater na cara de muita gente que for ao cinema, e alguns ficarão meio perdidos e poderão até sair da sala (como aconteceu quando assisti). Sempre deixei claro que amo filmes que se sustentam pelo diálogo, e esse é o caso de Cosmópolis: as falas são um show à parte e, certamente, irão obrigar os corajosos a reverem o filme para alcançar um entendimento melhor. Baseado no livro de Don DeLillo, o filme narra uma história bem patética: acompanhamos o empresário bilionário Eric Packer (Pattinson) que, viajando de limusine, deseja ir cortar o cabelo do outro lado da cidade. OK, é isso. 

Porém, durante essa jornada que dura um dia inteiro, uma série de acontecimentos se desenvolvem tanto na cidade (Nova Iorque, se não me engano) como dentro da própria limusine. E isso causa estranhamento ao espectador. Há e não há, ao mesmo tempo, muita conexão entre as pessoas que adentram o carro. O filme todo parece uma declaração de medo com o que está por vir no futuro próximo, e cada pessoa que entra na limusine parece uma espécie de Grilo Falante, ou anjo, ou profeta, ou o que seja. Com elas Packer se relaciona e estabelece os diálogos sobre a situação econômica do país e do mundo ao mesmo tempo em que uma ameaça (terrorista?) é constantemente alardeada pelo seu segurança Torval (Kevin Durand): primeiro ao presidente dos EUA, depois ao próprio jovem. As personagens que interagem com Packer estão ali para confrontar as ideias do rapaz: ele é praticamente um niilista, que não se cansa de dizer que "todos morreremos", mas que, ao ser diretamente questionado, não responde nada. Ele é a personificação da arrogância e da opulência moderna. Sua limusine contém o seu mundo, e ele consegue tudo o que quer. Ele pode comprar uma capela inteira, se desejar, e também acompanhar a desvalorização da Bolsa diretamente nos painéis futuristas de seu carro. É, como diz em determinado momento a mulher especializada em teoria, o cibercapital atuando: é todo o dinheiro do mundo ligado um ao outro, fomentando  desgraças, mortes e sofrimento enquanto dezenas de ricos viajam em suas limusines. Não por acaso Cronenberg vai escolher a figura de um rato para símbolo dos manifestantes: os ricos praticamente infestam tudo o que tocam. E, do jeito que tudo está, o mundo-cão sempre atuará: Eric Packer não se importa com os protestos - ri deles; na realidade, não se importa com nada que não seja sexo. E, mesmo durante os atos sexuais, ainda filosofa sobre questões que aparentemente não têm resposta alguma, procurando sentido de coisas que não têm. Acho que esse é o centro do filme de Cronenberg: a busca por algo que não está lá, e talvez nunca tenha estado. Aliado a esse "foda-se-tudo-que-respira", está o temor maquinário: quanto mais dinheiro se tem, mais máquinas de ponta serão compradas e, quanto mais evoluírem as máquinas, mais seremos reféns de uma adaptação constante e ligeira. É isso o que acontece com a figura do ex-empregado (Paul Giamatti), que no ato final do filme confronta Packer com o desejo de matá-lo: ele era um analista monetário e sabia usar um software, mas ouve mudança na empresa e ele acabou demitido. A vida não tem valor algum, "todos morreremos", como diz Packer. E "todos" somos iguais: não importa se você é bilionário ou um desempregado: suas próstatas podem ser assimétricas igualmente, e sabe o que isso significa? Como diz Giamatti: absolutamente nada.

Um filme sobre o nada. Acho que é isso que entendo em Cosmópolis. São 1 hora e 40 minutos que não se resolvem, que falam, falam, falam e não chegam a lugar algum. Isso poderia parecer bem banal, mas Cronenberg consegue segurar o espectador - embora em alguns momentos a narrativa se torne cansativa - e fazê-lo assistir a uma obra que, uns 80%, se passa dentro de uma limusine. E por falar nela, esse maldito mundo de efeitos especiais no Cinema é uma lástima mesmo: logo na primeira cena no interior é visível o contraste entre a "tela verde" das janelas do automóvel e as cenas das ruas: tudo muito artificial e que me leva a pensar: "Por que não filmam cenas de carros andando pelas ruas com eles realmente em movimento?". Há outros momentos bem falhos também ainda com respeito a essa coisa de interior/exterior da limusine, mas nada que prejudique demais a obra.

De queixas sérias só tenho uma (na verdade, duas): 1) Cronenberg filma cenas de sexo com Julitte Binoche (inteirona com os seus 40 e tantos anos) e com a deliciosa Patricia McKenzie, porém, a esposa de Packer, vivida pela angelical e perfeita Sarah Gadon, é ignorada nesse aspecto, mesmo havendo tensão sexual entre os protagonistas; tudo bem que o filme todo é um imenso "que se foda", mas poderia ser um "que se foda" mostrando a Gadon nua (para a nossa alegria!). 2) A projeção da sala 2 do Reserva Cultural em São Paulo é uma piada: o filme perdia o foco várias vezes - pensarei 10 vezes antes de voltar a ver um filme lá.

Concluindo, Cosmópolis vale a ingresso. É um filme difícil e que precisa ser visto mais de uma vez. Se em 1986 o terror para Cronenberg era uma Mosca gigante, agora é o maquinário que o capitalismo produz. Que as moscas não aprendam a aplicar na Bolsa...

Alex Martire


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+ comentários + 1 comentários

11 de julho de 2013 às 10:14

Poha; você realmente sabe como descrever um filme cara.
o filme ficou 25% menos chato dp que li sua critica vlee kkk
Abçs!

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