Amor Pleno (To The Wonder), 2012.



A espera acabou!
Depois de quase um ano de sua estreia no Festival de Toronto, eis que o novo filme de Terrence Malick chega oficialmente aos cinemas estadunidenses. E chega com ares polêmicos, para variar: os que amam Malick, reforçam seu amor, e os que odeiam têm mais uma chance de atacar o diretor. E dessa vez muita gente irá com pedras nas duas mãos para jogar em Malick: To The Wonder (um título perfeito, que foi estragado ao ser traduzido por Amor Pleno no Brasil) é ainda mais "vazio" do que A Árvore da Vida (2011), contem ainda menos "história" do que o filme anterior e, pra aumentar o desespero dos que odeiam Malick, o filme se constrói praticamente todo em voice overs. É bom deixar bem claro: esse filme, embora mais simples do que A Árvore da Vida, não é para qualquer um. 

A obra do Malick vem sendo cada vez mais poética, mais narrada: algo que começou timidamente em Além da Linha Vermelha (1998), cresceu em O Novo Mundo (2005), amadureceu n'A Árvore da Vida (2011) e culminou em To The Wonder. Eu arrisco - com todo o carinho do mundo que tenho por Malick - a dizer que sua obra não é sinestésica, mas, sim, cinestésica (isso mesmo, com "c de casa", no sentido biológico-medicinal, digamos). Em To The Wonder isso é desenvolvido e levado a seu extremo: a sensação de equilíbrio e a auto-percepção de que existem partes diferentes em nossos corpos, é como o Amor que Malick apregoa em seus 112 minutos de filme. É necessário haver um balanceamento, pois quando se tira de um lado, o outro sentirá falta e buscará, de alguma maneira, compensar esse desconforto. Talvez seja essa busca por equilíbrio, essa busca pelo amor que fará com que muitos não gostem do filme: tal como os seus anteriores, é necessário não assistir, mas se entregar à obra e a experimentar, pois Malick trabalha com experiências (ele sendo filósofo de formação, seria difícil pedir o contrário). Despindo-se de preconceitos e pré-conceitos com os quais somos bombardeados frequentemente pelo cinema hollywoodiano, permita-se apenas imergir em sensações. Não busque em To The Wonder 'histórias" ou coisas que façam um sentido de fácil dedução: afinal, isso não é a vida de verdade - se pararmos pra pensar, viver é algo muito simples, e nosso dia-a-dia não é um roteiro de filme. Tendo tudo isso em mente, assista à obra.

Embora o IMDB aponte nomes aos personagens principais do filme, eu não consegui identificar nenhum durante a exibição (mas isso pode ser porque só o assisti uma vez), porém, como fica mais fácil escrever aqui com nomes, os usarei. To The Wonder seria quase um triângulo amoroso entre Neil (Ben Affleck), Marina (Olga Kurylenko) e Jane (Rachel McAdams), sendo que as duas mulheres não se conhecem. Eu disse "quase" porque, para haver um triângulo amoroso, é necessário que haja o fundamental: o amor. Não é bem isso o que sente Neil. O filme começa com ele se encontrado com Marina no fantástico monastério de Mont Saint-Michel, na França, e tendo uma paixão. Eles formam um casal pela cidade de Paris, morando juntos com a filha de Marina com seu ex-marido, a Tatiana (uma garota de 10 anos). Em Paris, Marina é cheia de vida, feliz, e acostumada ao barulho e caos das grandes cidades (que, como sabemos, Malick odeia), porém, quando muda-se com a filha para a casa de Neil em Oklahoma, as coisas começam a tomar outro contorno: embora ela continue cheia de vida, dançando e pulando, aos poucos vai percebendo que essa felicidade contrasta demais com a quietude e melancolia de Neil, que está sempre calado, embora seja um homem bastante apaixonado e romântico. Com a filha não se acostumando à cultura estadunidense e com as discussões cada vez mais frequentes com namorado, Marina resolve voltar à Paris, deixando o coração de Neil livre para ter um caso com Jane, uma mulher do campo (que, como sabemos, Malick adora) que cuida de animais e teve uma filha que morreu com pouca idade. Após um tempo separados, Marina resolve voltar para os EUA e reencontra Neil. Uma nova paixão recomeça, mas há especificidades na natureza humana que faz com que dificilmente mudemos e isso afeta o casal.

Se até agora não falei da figura do Padre Quintana (Javier Bardem), mesmo ele aparecendo em muitas cenas, é porque ele é o contraponto à história de amor do casal Neil/Marina. Quintana representa o amor de Deus, aquele que é capaz de unir pessoas no matrimônio, perdoar detentos e dar paz aos doentes. Porém, Quintana sofre com sua própria fé: ele pede constantemente que Deus o faça reencontrar seu amor por Ele, que faça Seu amor penetrar no coração dos homens, que só brigam e se destroem. E é com Quintana que Malick vai, de fato, apresentar sua tese aos espectadores: o amor dos homens nunca será nada se eles não encontrarem aquele "amor que nos ama" - como diz algumas vezes Marina -, o amor divino. Neil, Marina e Jane não têm paz interior, pois conseguem mais facilmente amar uns aos outros do que a Deus. Um Deus que está, constantemente, olhando por todos: tal como em A Árvore da Vida, Malick filma todas as tomadas externas contra a luz do sol, deixando ele aparecer e nos ofuscar, por vezes. Contudo, o amor em To The Wonder é diferente daquele apresentado pela Graça no filme anterior: se em A Árvore da Vida é mostrado o amor bonito, jovial, alegre, em To The Wonder é apresentado o amor  sexual, o amor triste, que machuca, e também aquela fase do amor que entorpece - e talvez por isso o filme tenha um ritmo um pouco mais lento de narração quando comparado ao anterior. Já escrevi tanto sobre A Árvore da Vida aqui nessa impressão que acredito ter deixado claro: são filmes complementares, incluindo algumas tomadas e movimentação de câmera quase idênticas ao To The Wonder. Porém, o que mais gostei foi o jogo de cores do filme: enquanto no antecessor era tudo muito brilhante e vívido, agora as cores estão desbotadas, quase um tom de sépia toma conta dos campos e, principalmente, o céu está sempre nublado: coisas que só o gênio Terrence Malick consegue trabalhar tão bem.

Para finalizar, fica aquela questão: To The Wonder é melhor do que A Árvore da Vida? Eu digo que não. Mas digo isso porque, assim como escrevi na impressão do filme na época, Malick decretou o fim do Cinema quando o dirigiu. Dificilmente, na minha opinião, alguém conseguirá fazer algo melhor, incluindo o próprio Malick. To The Wonder é um complemento de A Árvore da Vida, não um filme totalmente original (e talvez isso explique o seu rápido processo de produção, durando apenas 1 ano), então dificilmente iria se sair melhor. De qualquer modo, ter o prazer de ver uma obra do Malick é inenarrável, por mais que eu tente escrever nessas linhas. Quando fiz a lista de Melhores e Piores de 2012 e tive de apontar o filme que mais aguardava para esse ano, eu só elenquei um: To The Wonder. Até mesmo disse que ele seria o melhor filme de 2013. 

E não mudo uma palavra sequer.


Alex Martire




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+ comentários + 2 comentários

Anônimo
26 de maio de 2013 às 21:05

os comentários dizem que esse é um irmão gêmeo de "A Árvore da Vida" filme que eu acho um espetaculo em todas as formas, mal posso esperar para conferir.

2 de março de 2014 às 13:38

Alex, excelente leitura The Wonder. Quando eu o assisti também tive a sensação que o "amor" que ele apresenta não é aquele cor de rosa pintado pelo cinemão hollywoodiano, e sim, um multifacetado às vezes nem sempre na sua melhor faceta, nem na sua melhor fase. Acho que para alguns espectadores, o filme pode parecer lerdo, repleto de monotonia, mas na minha perspectiva é através dessa monotonia que se concretiza a sua beleza, através de uma fotografia difícil de adjetivar, de silêncios que não incomodam, pelo contrário, acho que às vezes eles são necessários, e acabam expressando muitas coisas, sendo que os gestos, os movimentos por si só "dizem" o que talvez as palavras não dariam conta de dizer (...)

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