Ao Abismo, 2011.


O novo trabalho de Werner Herzog é mais um documentário. Com apenas um ano de diferença entre "A Caverna dos Sonhos Esquecidos", "Ao abismo" lida com as particularidades que ocorrem no corredor da morte nos EUA (dessa vez, sem o uso de 3D).

A trama é centrada na pena de morte imposta a Michael Perry, 28, que, juntamente com seu amigo Jason Burkett, comete triplo homicídio em uma noite de outubro de 2001: tudo por causa de um Camaro vermelho. Os dois eram conhecidos do filho de Sandra Stotler, moradora de Conroe, no Texas, e acabaram matando-a para roubar o Camaro que estava na garagem. Após a execução, a levaram em outro carro até o lago Conroe e a jogaram lá. Voltando para o local do homicídio, depararam-se com o portão do condomínio fechado: sem poder entrar para buscar o Camaro, ambos esperam que o filho de Sandra, Adam, chegue em casa - naquele dia ele estava acompanhado de outro amigo. Sequestram os garotos, roubam o controle para abrir o portão do condomínio e depois os executam na floresta próxima dali. Cerca de 3 dias depois, ambos são abordados pela polícia e trocam tiros, sendo presos. Após o julgamento, Jason Burkett é condenado a 40 anos de prisão, enquanto Michael Perry é sentenciado à morte.

Esse é o pano de fundo sobre o qual Herzog vai desmembrar os pormenores do crime e suas consequências. Desde o epílogo, o diretor deixa bem claro sua posição: ele é contrário à pena de morte. Porém, mesmo sendo parcial com relação ao que acredita, Herzog dá chance para que opiniões contrárias apareçam (na verdade, só uma). Acho que isso é compreensível: Herzog entrevista um pastor, entrevista os acusados, entrevista os conhecidos dos acusados, entrevista o antigo policial que era responsável pela execução dos presidiários, entrevista a esposa de Jason Burkett, e entrevista a família das vítimas: nessa contagem, torna-se quase óbvio que haveria mais gente contrária do que a favor da pena de morte. Herzog foi esperto: ele entrevista apenas quem acabaria, de um modo, sustentando a sua tese. Tendencioso? Achei, sim: mas é um direito dele, afinal, o filme é dele.

Podem também acusar o diretor de manipular os espectadores, com cenas de alta comoção - como o depoimento dos familiares dos mortos. Tudo bem, acusar é fácil (e isso só viria daqueles que não tem coração ou sensibilidade): o difícil é ficar passivo diante de tanta dor e revolta daqueles que perderam tudo. A irmã de Adam  e filha de Sandra perdeu ambos na mesma noite. Sua vida havia sido uma coleção de perdas (o pai e o irmão mais velho morreram anos antes) e simplesmente sua vida acabou quando tiraram as duas únicas pessoas que restaram em seu mundo. Herzog, claro, deixa a questão principal para os últimos minutos: "Você gostou que Michael Perry tenha sido executado?". Claro - ela responde. Ela concorda que talvez a prisão perpétua também coubesse ao homem, mas a sensação de alívio com a morte dele é mais reconfortante. Pessoalmente, não a culpo. É muito fácil defender penas alternativas ou prisão perpétua enquanto ninguém da sua família é brutalmente assassinado. Depois disso, não é de se estranhar o desejo de vingar a morte com a morte. Se fosse comigo, certamente desejaria a pena de morte para o assassino.

Mas o filme também toca em outro ponto: o da estruturação da família. O pai e o irmão mais velho de Jason  Burkett também cumprem pena. O pai, inclusive, passou mais dias dentro da prisão do que fora dela: e estava preso - condenado à perpétua - quando Jason cometeu os crimes. É um ciclo de violência que foi destruindo a família Burkett década após década: um pai ausente que tem como uma de suas maiores lembranças o momento em que ele e Jason foram acorrentados juntos no ônibus que os levou à penitenciária após o julgamento. Isso, claro, não justifica o que Jason fez, mas é um agravante enorme, ele propiciou um ambiente favorável para roubos e homicídios.

Confesso que, ao saber que Herzog iria filmar no corredor da morte, eu esperava uma obra sobre o sistema prisional estadunidense: fiquei um pouco decepcionado com essa opção do diretor de tornar tudo tão subjetivo, centrado em um caso só, e não estendê-lo à esfera legislativa. Enfim, Herzog não é Michael Moore, seus documentários sempre contam histórias de pessoas, não de instituições. O saldo geral, pra mim, é que "Ao Abismo" seria um grande episódio de algum programa da Discovery. Com qualidade muito superior, claro, mas ainda assim pareceu-me ser uma obra sem profundidade, descontextualizada. Uma pena: esperava muito mais.

(Se alguém quiser saber mais sobre Michael Perry, executado dia 1º de Julho de 2010: http://www.deathrow-usa.com/MichaelPerry'Case.htm )

Alex Martire



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