Apocalypse Now (Redux), 1979.



Acusar um homem de assassinato em uma guerra é, no mínimo, contraditório. Mas o coronel Walter Kurtz  (Marlon Brando), apesar de uma carreira militar invejável, comete uma série de erros e o alto comando da guerra instaurada no Vietnã resolve matá-lo, argumentando que está louco. As Forças Armadas, então, chamam o capitão Willard (Martin Sheen) para a missão de, anonimamente, acabar com o coronel. O capitão está acostumado com essas tarefas baseadas em eliminação de inimigos; contudo, é a primeira vez que fica diante da situação de matar alguém que faz parte do mesmo lado na guerra.

E assim a gente é levado pelas mãos competentes de Francis Ford Coppola à Guerra do Vietnã, já em seus momentos finais. A primeira cena é maravilhosa e faz com que se fique parado em frente à tela: as árvores (palmeiras, se não me engano) são bombardeadas ao som de fundo de "The End", do The Doors. As hélices dos helicópteros vão se mesclando com o ventilador de teto do quarto e vemos o capitão Willard deitado em sua cama, enquanto aguarda a próxima missão. Como ele mesmo diz, é a segunda vez que volta a Saigon: na primeira vez que foi para casa, não conseguiu se adaptar, e agora que retornou ao Vietnã, sente saudades dos EUA. A guerra perturba a mente daqueles que a experimentaram, e capitão Willard vai perdendo o controle sobre si mesmo aos poucos, enquanto espera a missão: esmurra o espelho, cortando a mão e fica caído ao lado da cama chorando por conta de alguma angústia que só aqueles que guerrearam devem saber como é. Os primeiros 10 minutos de filme, portanto, para mim, são viscerais. Se você não for conquistado por eles, é melhor trocar de filme, pois ainda faltarão mais de 3 horas para acabar. Coppola adorava fazer filmes longos na década de 1970, sendo impossível não mencionar sua obra-prima - e um dos melhores filmes da História do Cinema - a trilogia "O Poderoso Chefão" (uma tradução péssima  escolhida aqui no Brasil, já que o título original dá bem mais conta do contexto, "The Godfather").

E Coppola deve ter sofrido bastante para filmar "Apocalypse Now": tudo está numa escala enorme! Recriações históricas militares, figurantes como soldados, cenas de batalhas... o planejamento e o ensaio para que tudo funcionasse deve ter sido hercúleo. Creio que uma das cenas mais impactantes ainda é a da "cavalaria do ar", formada pelos helicópteros que bombardeiam uma praia no Vietnã ao som de "A cavalgada das Valquírias" de Richard Wagner ao fundo. Por sinal, desde que esse filme foi lançado, tornou-se impossível dissociar a música de algum palco de guerra. E sob o comando do coronel Bill Kilgore (Robert Duvall), vemos o quanto aquele inferno afetava as pessoas: o próprio coronel tem de abdicar do senso de realidade para sobreviver - ele conquista a praia para surfar! E manda soldados irem pegar umas ondas enquanto a batalha acontece: seria algo muito ridículo se não fosse tão triste. Aliás, acho que "Apocalypse Now" é repleto de cenas assim: acontecem coisas que, se não fossem o contexto no qual estão inseridas, nós iríamos rir. Mas é chocante... é traumatizante... é muito, muito triste ver o que somos quando estamos em guerra, e como perdemos a sanidade ao lidar com um meio ao qual já não estamos mais preparados para enfrentar. Porém, para mim, a cena mais linda do filme é a morte de Tyrone (interpretado por um Laurence Fishburne ainda adolescente): ele recebe uma fita K-7 de sua família e escuta a gravação da voz de sua mãe quando o barco em que o grupo liderado pelo capitão Willard é atacado. O garoto é alvejado e morre na hora, ao mesmo tempo em que o discurso no tocador de fitas continua, com a mãe dizendo para ele tomar cuidado, que é o único filho e que o ama muito, e que quer que ele volte logo, pois deseja ter netos para mimar... Mas tudo isso agora é em vão: ele morre aos 17 anos de idade. Mais uma vítima da guerra que ninguém sabe direito o porquê da luta. 

E nesse ponto Coppola é enfático ao criar todo um discurso sobre a inutilidade da guerra no Vietnã (principalmente na cena onde o grupo se encontra com uma família francesa, perto da fronteira do Camboja). O filme começa com a canção do Doors sobre "o fim", e a todo momento Coppola nos lembra que o que estamos vendo não é nada bom, que vai destruir vidas (mesmo que não literalmente - e talvez esse tipo de morte seja ainda pior), e termina com a famosa frase do coronel Kurtz: "O horror... o horror...". O maior horror da guerra é aquilo que nos tornamos por causa dela. E talvez "Apocalypse Now" (em sua versão Redux, com quase 50 minutos a mais do que a original), juntamente com "Platoon" (dir. Oliver Stone, 1986) e "Além da Linha Vermelha" (Terrence Malick, 1998), sejam as obras que mais retratam o lado humano no meio desse horror da guerra.

Alex Martire


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