A Árvore da Vida, 2011.


Ano passado Terrence Malick conquistou a Palma de Ouro em Cannes em meio a vaias e aplausos. Também foi ano passado, 2011, que Terrence Malick assassinou o Cinema ao levar a perfeição às telas. Tenho minhas dúvidas do que será o cinema daqui pra frente. Quando assisti ao filme pela primeira vez, saí estarrecido do cinema: realmente não estava preparado para aquilo. Vi em tela grande algo que jamais vou esquecer e lembro-me de ter dito baixinho: "O melhor filme da minha vida". O que se segue, então, são impressões totalmente parciais sobre a obra, de alguém que a amou desde os seus primeiros segundos.

"Meu filho... Eu quero morrer... Estar com ele".
A voz da belíssima e extremamente competente Jessica Chastain é sussurrada enquanto a acompanhamos em um dia nublado. Ela, a Mãe, a Graça, aquela menina que foi criada por freiras e deposita sua vida nas mãos de Deus acaba de perder seu filho do meio, de 19 anos, para o Vietnã. A notícia chega justamente no comecinho do filme, quando todos os sons estão baixos, e é nesse meio segundo de dor da mulher ao ler a carta avisando sobre o falecimento que rompe o silêncio as turbinas dos aviões do aeroporto em que seu marido, o Sr. O'Brien (Brad Pitt) trabalha. A cena dura tão pouco, mas tem um impacto muito, muito profundo. A dor pode deixar a pessoa sem palavras, pode levá-la à surdez momentânea, e apenas podemos ler nos lábios do pai a questão "What?" antes de ele se dobrar sobre si mesmo, perdendo-se em meio ao lamento e vento que vêm das hélices/turbinas dos aviões. E isso faz lembrar Heródoto, pois realmente os pais jamais deveriam ter de sepultar seus filhos.

Perder alguém que se ama é horrível. Mas perder alguém sem ter tido a chance de expressar o que se sente, pode ser ainda pior. Numa das poucas cenas em que realmente vemos emoção na Natureza, no Sr. O'Brien, ele está com os olhos marejados e pouco abre os lábios para falar "Nem tive chance de lhe dizer como estava arrependido". Ele discutira e batera no garoto certa vez, mas seu orgulho o impediu de corrigir o ato e ele, então, carregará eternamente a dor do arrependimento. A impotência de ver a vida sugando de você a chance, o seu amor, é destruidor. Muitas vezes a gente só deseja um momento para expressar o que precisa ser dito, mas nem sempre isso acontece e então as coisas tomam outro rumo e você se sente abandonado, humilhado pelo próprio azar, pelas coisas que não dependem exclusivamente de você. Acho que, no fundo o filme todo é sobre isso: há coisas que irão acontecer, goste ou não, e elas estão acima de sua capacidade muitas vezes (e não estou aqui apoiando a visão cristã de Malick).

Então a dor descansa e o filme vai buscar a origem do amor. Literalmente. Aos 19 minutos de filme, tudo é interrompido e somos jogados no interior do Big Bang. A criação do Universo é absurdamente linda visualmente e sonoramente, com a trilha de "Lacrimosa" ao fundo. Uma boa parte da criação do mundo foi feita com técnicas clássicas de tintas em vidro, e outras, claro, foram feitas em computação gráfica. Da galáxia somos levados às águas e lavas que formam o planeta. Depois observamos os seres microscópicos que deram vida ao mundo, à flora e à fauna. Dinossauros surgem na tela e, até mesmo entre os animais, existe a imprevisibilidade (pois o predador não mata a presa moribunda no riacho). Logo vem o meteoro que destrói tudo e a vida (re)começa. E, então, tornamo-nos espectadores do começo da vida do casal O'Brien.

Agora Terrence Malick nos faz experimentar o mundo. Tudo começa com o casal deitado, olhando-se apaixonadamente. Os cortes rápidos da edição brincam com as luzes e em poucos segundos vemos a linda cena do Sr. O'Brien acariciando o ventre grávido de sua esposa e encostando o ouvido nele para identificar os sons do bebê. O parto. O nascimento. E um dos momentos mais marcantes da obra (que virou o poster, inclusive): o pai observando o pézinho do menino, deslumbrado. Geralmente nós homens somos "criados" para esconder nossas emoções e isso passa pela interpretação de Brad Pitt: ele se contem ao ver o recém-nascido, mas nota-se a alegria que mal cabe dentro de si. Creio que esse deve ser o sentimento de quem é pai. Não sei se um dia eu serei, ou até mesmo se serei um bom pai... mas o filme me despertou a reflexão sobre o que é, para um homem, o papel paterno, o "ser pai". Enfim, continuando, a Sra. O'Brien é quem passa mais tempo com o menino Jack (que mais tarde será interpretado por Hunter McCraken em sua fase adolescente e por Sean Penn quando adulto): ela faz aquele papel tradicional de mãe estadunidense dos anos 1950 que fica em cuidando das tarefas domésticas e das crianças. Somos levados, através dos olhos do pequeno Jack, a conhecer o entorno da casa da família, um pouco de seus parentes e também que podemos machucar nossos pés e/ou sentirmos ciumes quando nasce um irmãozinho. E depois mais um. Três são os garotos dos O'Brien, e é em Jack que se desenvolve o conflito entre a Graça e a Natureza.

O próprio menino diz em determinado momento que o pai e a mãe sempre estiveram (e sempre estarão) contrastando dentro de si. A parte da adolescência, que começa lá pelos 45 minutos e segue até o fim do filme, é marcada pela figura austera do Sr. O'Brien e a presença carinhosa (e também um tanto submissa) da Sra. O'Brien. O pai não é uma pessoa ruim, por mais que Jack não goste (ou esforce-se para não gostar) dele: apesar de educar as crianças com mão-de-ferro, exigindo respeito e dando sermões sobre como vencer na vida, Sr. O'Brien é, ao mesmo tempo, o homem que beija o filho após a bronca, quem brinca de figuras de sombra à noite e traz novidades após as viagens à trabalho. A mãe, por sua vez, é o alívio da tensão dentro de casa: a Sra. O'Brien acorda os meninos passando gelo neles, brinca de pega-pega no quintal da casa, esconde as traquinagens dos garotos do pai, molha os pés com o irrigador de grama, tem medo de lagartos e sai em defesa dos filhos quando o marido tenta repreendê-los de modo mais agressivo. Sra. O'Brien é a Graça, ela, literalmente, é capaz de flutuar em meio a gestos de quase bailarina. Jack é um típico garoto que passa por todas as fases de descobertas e nervosismos da adolescência: a menina da escola desperta seu interesse para a paixão, mas são os pés e as pernas desnudas da vizinha casada quem o leva aos primeiros instintos sexuais. Como o garoto fala ao pai, ele é mais parecido com a Natureza - é impulsivo, curioso, e até mesmo cruel, capaz de machucar o irmão que mais tarde vai morrer. Ele odeia o pai porque o Sr. O'Brien supostamente rouba o amor da mãe. Ele vê o irmão do meio tocando violão enquanto o pai o acompanha no piano e sente ciúme: sua educação rígida o afastou do Sr. O'Brien para sempre, impedindo-o de demonstrar qualquer coisa que não fosse respeito meramente. Contudo, em uma cena de auto-reflexão do Sr. O'Brien, ele conclui que fracassou na vida e que não queria que as coisas fossem assim; ele - conforme diz a Jack - só tem os três filhos na vida, que foram a melhor coisa que ele fez. E a vida comum da família vai seguindo, até que chega o momento de crise financeira e são obrigados a  mudar de casa. Então o filme caminha para o seu final.


A cena que encerra "A Árvore da Vida" talvez seja aquela que mais causou estranhamento ou revolta nos espectadores (quando vi no cinema, por exemplo, algumas das poucas pessoas que permaneceram até o fim saíram xingando da sala e dizendo que o filme era sem pé nem cabeça). É a cena do Juízo Final. Tudo morre um dia, é necessário. Malick leva isso ao extremo e nos brinda com o fim da Terra. Então acompanhamos Jack adulto passando pelo portão da Morte (ou seria da Vida?) e entrando naquilo que nos remete ao Paraíso. Lá somos reapresentados a todos: irmão caçula, pai, mãe, e o irmão que morrera na guerra. Todos caminham numa praia repleta de gaivotas. O momento em que a mãe encontra o filho que morrera aos 19 anos é tocante: suas lágrimas escorrem e vão se misturar à água salgada do oceano.Todos juntos. Até o fim dos tempos. E o filme termina como começa: a mancha no universo da qual surgirá a vida.

O genial trabalho de Malick ainda é marcado pelo Sol. Em todas as cenas externas temos a câmera filmando contra o sol, em meio às árvores. Nas cenas em que aparece Jack adulto, porém, o sol está escondido atrás dos prédios: a Natureza já não o acompanha mais. De resto, cabe ressaltar o modo peculiar de Malick posicionar as câmeras: você sempre fica bem próximo das personagens, e os cortes são sempre secos e rápidos - estilo que Malick desenvolveu em cinco filmes. E que fica ainda mais perfeito em blu-ray.

Como eu disse, "A Árvore da Vida", para mim, encerrou todo um ciclo no cinema. Não sei como se dará daqui pra frente, como vão transcender a obra-prima de Terrence Malick: ele, que trouxe ao cinema a mais pura noção de "filme para ser sentido".

Alex Martire






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+ comentários + 1 comentários

12 de abril de 2012 às 05:37

eu não sei se tem todo esse impacto no cinema, mas devastou meu coraçãozinho...

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