O Amante da Rainha, 2012.



Há muita choradeira sobre esse filme dinamarquês. Muita gente dizendo que é um romance típico, convencional, que não "passa de mais um". Também muitos torceram o nariz quando O Amante da Rainha ganhou o Urso de Prata de Melhor Roteiro em Berlim esse ano. Sinceramente, só acha "convencional" esse filme quem acredita que todos os filmes de época são iguais e esperam, sei lá, viagens no tempo, explosões, ou que apareça algum alien - se o Spielberg dirigir (rogo aos deuses para que não haja nenhum no vindouro Lincoln quando chegar aqui no Brasil). A verdade é: estamos diante de um magnífico romance de época com tudo a que tem direito: amor proibido, traições, riqueza e fotografia espetacular. O Amante da Rainha chega entre os finalistas aos 5 candidatos ao Oscar estrangeiro de 2013. E como sabemos que a Academia adora filmes assim, as chances de O Amante da Rainha levar a estatueta caso fique para a final é imensa.

Os méritos do filme dirigido por Nikolaj Arcel começam pelo simples fato de se narrar um episódio da história dinamarquesa: são raros os filmes de época escandinavos que chegam ao resto do mundo, então, por isso só, já valeria a pena assistir. Mas ainda há muitas qualidades nessa obra. A história conta o período em que a Dinamarca esteve à luz da Europa (perdoem o trocadilho...), quando os ideais do Iluminismo chegam à corte do Rei Christian VII( reinou de 1766 à 1808), que sofre de problemas mentais (possivelmente esquisofrenia), sendo bastante infantilizado e inapto ao governo o Estado. Os fatos se desenrolam contados por Caroline Matilda (ou Mathilde, quando chega à Dinamarca), a jovem inglesa filha do Príncipe de Gales que fora prometida ao trono dinamarquês e que, aos 15 anos, muda-se para a Dinamarca a fim de se casar com Christian. Logo no começo, Caroline percebe a deficiência do rei e tem de conviver com sua loucura, sendo humilhada e tendo de tomar conta do filho do casal, Frederick (Frederico VI, aquele que teve de enfrentar o Napoleão e perdeu a posse da Noruega), para manter-se presa à vida. Porém, sua existência toma novos contornos com a chegada de Johann Struensee, médico alemão que, ao medicar o rei durante sua viagem pela Europa, cai em suas graças e se torna doutor oficial da corte. Começa a haver um romance proibido entre Struensee e a Rainha, de onde nasce Louise Augusta, o estopim para desencadear uma série de eventos que vão resultar em dificuldades para todos os envolvidos e, principalmente, à Dinamarca.

O mais interessante do filme é que ele sabe dosar com perfeição o romance com a política: não é um filme que se esquece de tudo em nome do amor; tampouco, fica preso apenas a uma trama política pesada. É balanceado e isso faz com que suas quase 2 horas e 20 minutos passem bem rápido, prendendo a atenção, sem fazer com que o espectador durma ou deseje que acabe logo (aprenda, Peter Jackson). Confesso que desconheço a história da Dinamarca nesse período pré-Revolução Francesa (talvez pelo fato de os cursos de História nas faculdades daqui serem todos, infelizmente, "francófonos"), mas o filme serviu para despertar meu interesse pela figura de Struensee. Ele é um médico alemão profundamente imbuído de ideais iluministas, que carrega (ou melhor, esconde) consigo obras do Rousseau e do Diderot e escreve panfletos filosóficos anonimamente. Sua figura se sobrepõe a do rei: conforme vai ganhando confiança de Christian VII (e dormindo com sua esposa, claro), vai, cada vez mais, tomando poderes para si: graças a ele o Conselho da corte é dissolvido pelo rei, pois todas as leis ditadas pelo monarca esbarravam nos nobres que odiavam quaisquer mudanças que pudessem abalar suas vidas confortáveis, e Struensee fica como conselheiro, chegando até mesmo ao ponto de assinar decretos em nome do rei, ou seja, ele governa a Dinamarca! Struensee trouxe mudanças significativas para a Dinamarca como, entre outras, a diminuição das horas de trabalho dos camponeses, a proibição do castigo corporal aos camponeses por parte de seus senhores, o fim da tortura nos interrogatórios nas prisões e o fim da censura. Porém - e isso é muitíssimo bem construído no decorrer do filme - nem todas as mudanças acabaram por ser benéficas à própria corte: Struensee se vê inconformado ao ter de retomar a censura dos meios impressos quando começam a se espalhar panfletos acusando-o de dormir com a Rainha, gerando uma filha bastarda. Para piorar, o povo que antes aplaudia as atitudes e mudanças de Struensee, agora o condena a ponto de julgá-lo publicamente, mesmo com Struensee gritando: "Eu sou um de vocês!". A população de Copenhague, manipulada pela nobreza e pelo clero, se torna contra aquele que mais a ajudou, destruindo os ideais iluministas em seu próprio reino. 

O filme se completa com um elenco primoroso, principalmente quando falamos de seu trio principal de protagonistas. Mads Mikkelsen já é uma figura conhecida no cinema internacional, sendo seu filme mais recente o maravilhoso A Caça: ele interpreta de forma brilhante Johann Struensee, conseguindo passar todos os seus sentimentos principalmente pelo olhar. A linda sueca Alicia Vikander faz o papel da Rainha e, embora não roubando as cenas, cumpre com o que lhe é passado, me parecendo uma boa promessa para os próximos anos (espero ansioso para vê-la atuando na nova versão de Anna Karenina). Por fim, temos Mikkel Boe Følsgaard encarnando o rei Christian: embora sendo seu primeiro grande papel, o ator mostra uma atuação assombrosa, convencendo a todo momento que estamos diante de um rei fragilizado; não à toa, o ator recebeu o prêmio de melhor ator no Festival de Berlim.

Primoroso. Essa é a palavra que me vem à cabeça quando penso em O Amante da Rainha. Um belíssimo filme de época que praticamente não tem erros de nenhuma espécie. Pessoalmente, eu gostaria que A Caça fosse o representante dinamarquês no Oscar 2013, por ser um filme mais ousado. Porém, do ponto de vista "acadêmico", a Dinamarca tem mais chances de levar a estatueta candidatando esse excelente filme. Pode até perder, mas já nos deu um grande prêmio ao nos presentear com um filme tão... primoroso.

Alex Martire






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