Anna Karenina, 2012.


Anna Karenina é um filme que desagradou e irá ainda desagradar muita gente. Os mais conservadores dizem que o filme ficou "estilizado" demais e que sua estrutura é confusa, teatralizada ao extremo. Para mim, contudo, são nesses aspectos diferentes que reside a força do filme. Anna Karenina é uma obra atípica, quase experimental (mas dos bem feitos). E um colírio para os olhos. Quem é o culpado por tudo isso? O diretor Joe Wright.

Wright tem comprovada competência em filmes de época, romances típicos do século XIX e meados do XX que são adaptados de forma excelente, não apenas levando os livros para as telonas, mas deixando sua marca em cada filme: isso é algo que poucos conseguem fazer sem destruir a obra original. Após Orgulho e Preconceito (2005), de Jane Austen, e Desejo e Reparação (2007), de Ian McEwan, Joe Wright agora parte para uma obra russa, atemporal, de Tolstoi, Anna Karenina. Para quem já leu, sabe que, apesar da escrita agradável de seu autor, o livro tem uma densidade singular, indo profundamente nos sentimentos humanos. Quem lê, jamais esquece. E eu diria também: quem assiste à adaptação de Wright, não a esquecerá. O diretor foi profundamente respeitoso ao texto, e isso me tirou um peso gigantesco da mente: eu temia muito que se tornasse uma adaptação modernosa, com centenas de "liberdades poéticas" que acarretariam na ruína dessa história tão bela. Joe Wright dirige aqui a melhor Anna Karenina que já vi, muito superior àquela de 1997 com Sean Bean e Sophie Marceau. Não procurando invenções em demasia, diversas passagens do livro foram transpostas para a tela com os diálogos intactos, mantendo a atmosfera semi-depressiva que permeia a obra. Assim sendo, temos a complexa relação amorosa de Anna Karenina com o seu marido Alexei Karenin e seu amante mulherengo, o Conde Alexei Vronsky; de seu irmão Stiva Oblonsky, que trai a esposa Dolly Oblonskaya com a governanta da casa; e de Kitty, cunhada de Anna, que é apaixonada por Vronsky, mas é amada por Kostya Levin, amigo antigo de Oblonsky que vive no campo, em oposição à opulência que reina absoluta na aristocracia presente em Moscou e São Petersburgo. No fundo, Anna Karenina é uma obra sobre o amor, ao mesmo tempo em que Tolstoi critica o Romantismo e abraça o Realismo, deixando claro que o amor é destrutível, deixando sua marca até mesmo nos mais racionalistas. Mas o amor é uma doença afinal, e nos leva a fazer coisas que podem trazer resultados horríveis para todos e, principalmente, para nós mesmos. 

Há tantos detalhes em cena, que fica difícil captar tudo em uma única projeção: é preciso rever o filme para tentar "caçar" aquilo que deixamos escapar da primeira vez. Porém, o que salta aos olhos é o fato de Joe Wright ter decidido transformar tudo em uma peça de teatro: a maior parte do filme acontece sobre um palco, em um teatro antigo. É genial. Há cenas memoráveis por conta dessa "estilização": principalmente na primeira meia hora de filme ocorrem diversas adaptações cenográficas, em que as paredes se movem para surgir novos fundos e os figurantes fazem coreografias. Como não podia deixar de ser, Joe Wright também colocou uma sequência em tomada única no filme, tal como havia feito na soberba cena da praia em Desejo e Reparação: a transformação da repartição em que Oblonsky trabalha no restaurante onde ele e Levin se encontram é estupenda, de uma precisão milimétrica absolutamente impecável! Outra sequência esteticamente perfeita acontece quando Levin reencontra Kitty: a "cortina" do palco sobe e ela aparece entre uma pintura de um céu repleto de anjos, concretizando a visão idealista que Kostya tem sobre ela - é algo de encher os olhos. 

Convenhamos, o livro em si não é uma das obras mais dinâmicas já escritas: tem o ritmo do Tolstoi, que é lento e filosófico. Contudo, o filme consegue lidar com isso - que seria um aspecto negativo caso fosse filmado literalmente - graças a essa opção de levar a história ao teatro: aqui tudo tem o dinamismo teatral, tudo é mais rápido e conciso. Se por um lado isso ajuda cinematograficamente e não entedia o espectador, por outro, acarreta em alguns cortes de passagens que estão no livro: a personagem de Levin, por exemplo, ganha pouco espaço na tela e se torna menos filosófica - seus momentos mais inspirados no filme acontecem quando está trabalhando na colheita junto com os mojiques. Mas esse tipo de mudança acontece sempre que um livro é levado às telas, e é natural, uma vez que são meios de comunicação diferentes. O único aspecto de que não gostei muito no filme é justamente a sua protagonista principal, Anna Karenina: Keira Knightley até hoje não me convenceu como atriz. Ela parece sempre ter a mesma expressão facial em todos os filmes dramáticos que faz (e, cá entre nós, não tem a beleza que a Anna possui na obra original, embora isso não seja fundamental). Esse é o único "deslize" do filme. 

Anna Karenina é um filme que respeita o original, e isso é o bastante para já valer a "assistida". Porém, o filme vai além, e nos brinda com uma originalidade que não é comum de se ver nos filmes atuais. Acredito também que, devido a essa originalidade, Anna Karenina tenha ficado de fora na indicação ao prêmio de Melhor Filme do Oscar, recebendo-a apenas nas categorias técnicas: Melhor Fotografia, Direção de Arte, Figurino e Trilha Sonora Original. Uma pena... O filme merecia maior reconhecimento, pois é recomendadíssimo!

Alex Martire



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