Nada de Novo no Front, 1930.


Para a alegria de todos os cinéfilos, a Universal Pictures comemorou os seus 100 anos de existência lançando em blu-ray alguns de seus maiores sucessos. As edições vêm em formato especial: numa caixinha e contanto com um livreto colorido impresso em papel-foto. Embora não tendo um preço muito razoável aqui no Brasil, vale a pena investir naqueles títulos que realmente interessarem, afinal, a restauração e a conversão para Full HD é bastante competente e agrada aos que, assim como eu, são chatos com relação à qualidade de som e imagem dos filmes. Dentre as obras lançadas, está Nada de Novo no Front, filme de 1930 e terceiro ganhador do Oscar na categoria Melhor Filme (sendo, também, a primeira obra não musical a receber tal honraria). 

O contexto histórico e econômico em que o filme foi produzido é bastante interessante. Mal o mundo estava se reerguendo da Primeira Guerra Mundial, a quebra na Bolsa de Valores nos EUA (1929) veio e afundou tudo novamente. Conseguir dinheiro nessa época, então, se tornou mais difícil, e o que acabou realmente dando um sopro de vida na indústria cinematográfica estadunidense - e fazendo com que ela continuasse adiante - foi o fato de os próprios estúdios terem suas salas de cinema, onde exibiam seus lançamentos. Some a isso o contexto do Cinema em si: o reinado dos filmes mudos chegara ao fim, e havia um pouco de pessimismo com relação aos filmes falados, tanto da parte do público como, principalmente, da parte dos atores, que precisavam se adaptar ao novo formato, embora nem todos conseguissem (Buster Keaton é um exemplo clássico desse momento). 

Convenhamos que o clima não era um dos mais agradáveis e a incerteza sobre o futuro pairava sobre a sociedade estadunidense. Porém, a situação era pior na Europa, principalmente na Alemanha, quebrada pela guerra e tentando se reerguer sob o parlamentarismo da República de Weimar (para esse período, recomendo a leitura da brilhante obra de Alfred Döblin, Berlin Alexanderplatz, ou assistir à homônima mini-série de 1980, dirigida por Rainer Werner Fassbinder). Contudo, em 1929, um jovem autor alemão chamado Erich Maria Remarque publicou um livro intitulado Im Westen nichts Neues (Nada de Novo no Front) que vendeu, em 18 meses, 2,5 milhões de exemplares. Esse livro talvez passasse despercebido se não fosse por uma característica marcante: é uma obra antibelicista. Um livro antibelicista escrito por um alemão em uma Alemanha na qual, embora ainda não estando no poder, já contava com uma alta influência nazista. Em outras palavras, era o grito de paz de um jovem cidadão que lutou nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial e viu seus amigos morrerem. Obviamente, esses ideais antibelicistas trouxeram problemas a Remarque e ao filme quando foi exibido na Alemanha: durante as sessões, os nazistas gritavam frases de guerra e soltavam ratos pelos cinemas e, no caso do autor, a continuação de seu livro, lançada em 1931, Der Weg zurück (The Road Back), foi proibida no país. Felizmente, porém, os direitos da primeira obra foram adquiridos pela Universal que, por sua vez, escolheu o talentosíssimo Lewis Milestone para dirigir a adaptação.

Milestone nasceu na Rússia czarista e migrou para os EUA quando ainda era adolescente. Em solo estadunidense, ingressou na indústria cinematográfica e foi galgando os degraus até assumir a função de diretor. A sua competência foi reconhecida pela primeira vez no Oscar de 1929, ganhando o prêmio de Melhor Diretor pela comédia Dois Cavaleiros Árabes, desbancando William Wellman e seu vencedor Asas. Já em 1930, Lewis Milestone abocanhou o Oscar de Melhor Diretor, e seu filme Nada de Novo no Front ganhou o de Melhor Filme: isso foi o suficiente para que Milestone estabelecesse seu merecido lugar na galeria dos grandes diretores da Sétima Arte. Talvez a obra não fosse atemporal se Milestone não a tivesse dirigido. Só nos resta agradecer à Universal Pictures por ter colocado alguém como ele na direção.

A história em si é pesada. Eu diria até mesmo melancólica. Bate uma tristeza quando o filme acaba - e da maneira como acaba. A ideia central de Nada de Novo no Front é mostrar como a guerra consegue destruir as almas humanas.O filme começa com um desfile militar numa cidade alemã, onde toda a população sai às ruas para festejar a ida dos soldados na guerra recém-declarada. A cena, em si, é belíssima: uma grande parte da "culpa" é a ausência da trilha sonora nos primeiros filmes falados, deixando, assim, que apenas os instrumentos da banda militar ressoem pela multidão. Vemos o desfile e a câmera adentra uma sala de aula de tem as janelas abertas para a rua, onde o professor de idade tem sua voz abafada pelo som que vem de fora. Quando fica um pouco mais tranquilo, acompanhamos o discurso ufanista do professor aos seus alunos, dizendo que eles devem defender a nação contra os inimigos e se orgulharem de morrer em campo. Nessa hora, então, somos apresentados a um grupo de amigos estudantes, todos jovens de 16 ou 17 anos, que são tomados pelo frenesi causado pelas palavras do professor e decidem se alistar no exército - mesmo que isso faça com que suas mães fiquem doentes de preocupação (pois elas são fracas, como diz o professor). Esse grupo de amigos é a motivação do filme: todo ele gira em torno desses jovens rapazes sonhadores que acreditam que ir à guerra é um ato de heroísmo. Dentre eles, temos Paul Bäumer (Lew Ayres), um rapaz que quer ir ao front para conquistar honras e os corações das moças, mas que se torna o grande filósofo do filme.

No começo, durante os treinamentos militares, tudo é festa e alegria, com o grupo de estudantes sorrindo mesmo tendo um sargento bastante implicante os treinando. Nessa parte do filme, Milestone leva o tempo necessário para criar os laços de amizade entre os rapazes, fazendo com que a gente crie empatia e se familiarize com seus rostos e personalidades. Porém, toda essa jovialidade começa a desaparecer quando são enviados ao front na França para lutar nas trincheiras. Os horrores da guerra vão, aos poucos, moldando (ou destruindo?) suas personalidades: já não é mais tão engraçado se fingir de soldado como nos treinamentos - agora seus companheiros correm sérios riscos, e conviver com a morte durante dias, meses ou anos em trincheiras sempre atacadas por inimigos não é algo que se esquece: a loucura vai tomando conta das pessoas, e isso fica bem claro na cena do bombardeio sobre as trincheiras, em que os amigos estão numa espécie de abrigo: dá pra ver na face de Bäumer que atingiu o seu limite - o seu sorriso doentio é a constatação máxima de que toda a sua vida anterior já não existe mais... Isso leva o garoto a questionar os motivos da guerra entre os países e o que se ganha guerreando no front. Mas são indagações que se tornam vazias durante os combates: você foi posto ali para matar ou morrer, e terá de se acostumar com isso. E Milestone foi tão feliz sobre a obra de Remarque que, nós espectadores, acompanhamos toda essa mudança na vida dos jovens estudantes: mantemos um sorriso no rosto no começo do filme, felizes com as peraltices dos rapazes, mas com o passar da história, nosso sorriso vai murchando como a grama que sempre é pisada pelas botas de couro dos soldados e, no último ato do filme, já não conseguimos mais sorrir: fomos observadores diretos do fim de muitas vidas esperançosas. Isso, porém, não é nada de novo no front...

Com cenas de batalha nas trincheiras de tirar o fôlego e uma fotografia soberba (reparem quando "espiamos" pela janela da casa os trens indo e chegando ao front destruído pelas bombas), Nada de Novo no Front é um marco na história do Cinema. O que mais nos deixa pasmos é saber que esse filme completará 83 anos de idade sem ter envelhecido praticamente nada. O discurso antibelicista é válido ainda hoje, mas com uma ressalva: o cinema estadunidense já não condena mais a guerra; ao contrário, a exalta, fazendo propaganda bélica do poderio norte-americano. 

Para concluir: a última cena, a que Bäumer tenta alcançar, com a ponta dos dedos, uma borboleta que está do lado de fora da trincheira é de marejar os olhos. Lindíssima.

Um filme que precisa ser visto. E melhor ainda se for em alta definição!

Alex Martire


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