Os Miseráveis, 2012.


Se existisse o termo "mente embargada", essa seria a sensação que estou ao terminar de ver Os Miseráveis. A primeira coisa que me passou pela cabeça quando os créditos subiram foi lamentar que a lista de Melhores Filmes do CineImpressões já estivesse fechada e publicada: essa obra, certamente, constaria entre as que elenquei. O filme é tão grandioso, tão arrebatador que fica difícil escrever sobre ele, pois tenho certeza de que não farei jus a tudo e que muitas coisas passarão em branco aqui. Isso, por outro lado, talvez seja um dos maiores méritos que um filme pode ter: despertar no espectador aquela necessidade de revê-lo muitas e muitas vezes. 

Dentre os poucos filmes que já dirigiu, Os Miseráveis é a obra máxima de Tom Hooper. Se ele já conseguiu produzir um dos filmes mais redondinhos que já vi, O Discurso do Rei (2010), arrancando nada mais do que 3 indicações de atores ao Oscar (Colin Firth - que ganhou, Helena Bonham Carter e Geoffrey Rush) e levando o prêmio de Melhor Filme, aqui em Os Miseráveis Tom Hooper transcende sua própria competência e entrega um dos filmes mais marcantes de 2012/2013, sugando toda a força artística de Hugh Jackman e Anne Hathaway, fazendo com que eles, doravante, já tenham a carteira assinada para qualquer filme em que cogitem trabalhar. 

Confesso que nunca tive contato prévio com a obra de Victor Hugo, publicada em 1862, e desde então servindo de inspiração para vários filmes e musicais mundo afora: ou seja, só posso falar do filme em si, pois não sei se a adaptação foi fiel ou não ao original. A obra de Hugo foi dividida em 5 volumes quando lançada, cada um meio que contando uma história de seus principais protagonistas: Fantine, Cosette, Marius, a batalha nas barricadas da rua Saint-Denis (sim, um cenário é um ator principal), e Jean Valjean, sendo que toda a narrativa acontece entre 1815 e 1832 - período em que a França está passando por várias revoltas populares causadas pela miséria (os "miseráveis" do título) que irão culminar em uma nova revolução. O filme segue essa mesma divisão de volumes, embora não deixe isso aparecer na tela como tal. Praticamente o centro de Os Miseráveis é Jean Valjean (Hugh Jacman), um homem que ficou 19 anos preso por ter roubado um pão para alimentar o sobrinho faminto e se vê livre, querendo dar novo rumo à vida. A sorte lhe sorri e ele, após 8 anos de liberdade, torna-se prefeito em Montreuil, também sendo dono de uma fábrica de médio porte. Entre as funcionárias está Fantine (Anne Hathaway), uma moça pobre que é posta para a rua quando o supervisor descobre que ela é mãe de uma menina. Sem condições, Fantine acaba se sujeitando à prostituição e numa noite, durante o acesso de raiva de um cliente, é salva por Jean, a quem conta tudo sobre sua filha e diz que a culpa de ter se tornado prostituta é indiretamente de Valjean, por tê-la despedido. Com a morte de Fantine, Valjean, então, começa a saga para buscar a filha da operária, Cosette, mas sua vida se torna cada vez mais difícil pois o inspetor Javert (Russel Crowe) está lhe perseguindo, querendo botá-lo novamente na cadeia por ter descumprido o trato de se apresentar na condicional 8 anos antes. Nove anos após Jean achar Cosette e levá-la consigo, o filme se torna mais político, apresentando a figura de Marius (Eddie Redmayne), um jovem estudante que luta com seus amigos contra o governo e se apaixona perdidamente por Cosette (Amanda Seyfried), agora uma mulher. Porém, o amor do casal esbarra no contexto político revolucionário pelo qual a França passava e acontecem várias coisas que sempre tendem a afastar os dois. Mas o amor pela revolução e por outro ser humano é capaz de vencer qualquer barreira, como bem sabe Jean Valjean...

Contando assim, o enredo parece confuso, eu sei. Há muitas outras personagens importantes no filme, mas isso aqui ficaria gigantesco se fosse falar de todos (e se tornaria extremamente desinteressante). É preciso que se veja o filme para ter noção exata da grandiosidade narrativa de Os Miseráveis. Por ser um musical quase todo cantado, com pouquíssimas falas "normais", eu tinha receio de que o filme se tornasse insuportável de ser assistido em suas 2 horas e 40 minutos. Mas, ainda bem, foi um medo injustificável! A obra é muito fluida, com um ritmo impecável e que jamais dá sono ou nos faz torcer para acabarem logos os versos. Tudo se torna ainda mais magnífico quando sabemos que não foram utilizados playbacks durante as gravações: os atores tiveram de cantar realmente! Imaginem a dificuldade em ter de cantar e atuar ao mesmo tempo: é quase como uma ópera, mas levando em consideração ainda a preocupação de posicionamento frente às câmeras. Se fosse um diretor qualquer, seria desastroso, mas Tom Hooper parece ter o elenco nas mãos e faz com que se sintam bem nas cenas e, principalmente, que nos façam emocionar: o filme arrancará algumas lágrimas até mesmo do coração mais gélido. Embora tenha uma aparição curta no filme, Anne Hathaway não recebeu o Globo de Ouro à toa: sua canção sobre a desilusão do amor e da vida é embasbacante - quando ela termina, você ainda está pensando: "O que foi que eu acabei de ver?!". Só isso já valeria o filme, mas a verdade é que Os Miseráveis é uma coleção de "impecabilidades". Possui uma fotografia exuberante, em que vários momentos se permite "chacoalhar" um pouco, acompanhando os atores (algo bem pouco comum de se ver em filmes de época). A Direção de Arte é um show à parte, ainda mais se levarmos em conta toda a recriação de Paris em meados do século XIX, sem abusar de efeitos computacionais. Mas o que rouba a cena mesmo durante todo o filme, como já mencionei, são as atuações: além de Hathaway, Hugh Jackman está maravilhoso no papel de Jean Valjean, um papel muito difícil e que mereceu o reconhecimento por parte da Academia, e, do outro lado, Russel Crowe interpreta um vilão que, mesmo sendo ruim por natureza, consegue transmitir toda a profundidade de sua alma um pouco antes do final do filme.

E por falar em final, Os Miseráveis leva às telas uma apoteose que eu raramente vi nos filmes: é de arrepiar ouvir a canção sobre as barricadas que aqueles "miseráveis" montaram para combater as injustiças do governo francês. De todos da lista que concorrem ao prêmio de Melhor Filme no Oscar, retiro o Amor de Haneke e coloco Os Miseráveis de Hooper como o meu favorito. Pode ser que nenhum dos dois ganhe mês que vem, mas Os Miseráveis merecia receber tal honraria por ser um filme muito, muito ousado para os padrões hollywoodianos atuais e, pessoalmente, me emocionou bem mais do que a obra de Haneke. Os Miseráveis consegue despertar algo que poucos filmes conseguem enquanto se assiste: erguer os punhos e cantar junto. Desde já, um clássico do Cinema. Desde já, um filme necessário.

Alex Martire




Share this article :

Postar um comentário

 
Support : Creating Website | Johny Template | Mas Template
Copyright © 2011. CineImpressões - All Rights Reserved
Template Created by Creating Website Published by Mas Template
Proudly powered by Blogger